“Prophetatio est, non optatio”: a exegese de Agostinho das imprecações nos Salmos

No dia 27 de fevereiro de 2025, o Pontifício Instituto Patrístico Augustinianum de Roma foi cenário da defesa da tese de doutorado do agostiniano recoleto Lounal Jarumay, intitulada “Prophetatio est, non optatio”: a exegese de Agostinho de Hipona das imprecações das Enarrationes in Psalmos..

O tribunal acadêmico foi composto por seu diretor de tese, Prof. Giuseppe Caruso, OSA, e os relatores Prof. Kolawole Chabi, OSA, e Prof. Pasquale Cormio, OSA, que avaliaram a profundidade, a metodologia e a contribuição da pesquisa. Entre os presentes estavam o Prior Geral, Miguel Ángel Hernández, e religiosos das comunidades agostinianas recoletas de Roma.

Uma análise teológica das imprecações em Salmos

A tese de Lounal trata de um tópico teologicamente complexo: os versos imprecatórios dos Salmos, ou seja, aquelas petições em que o salmista clama a Deus por justiça contra seus inimigos. À primeira vista, essas invocações parecem entrar em conflito com a mensagem do Evangelho sobre o amor e a misericórdia divinos. No entanto, Santo Agostinho, em seu Enarrationes in Psalmos, oferece uma leitura na qual essas expressões não são desejos de vingança, mas anúncios proféticos do julgamento divino, da conversão e da purificação dos fiéis.

A pesquisa de Lounal segue uma metodologia analítico-expositiva, com foco nos princípios exegéticos e teológicos empregados por Agostinho para interpretar os versículos imprecatórios. Em sua análise, a tese destaca a escassez de estudos anteriores sobre esse tópico e se baseia em autores importantes, como Hugo Weber, Michael Fiedrowicz e Mark Sheridan.

O estudo está estruturado em três capítulos principais e uma conclusão geral. O primeiro capítulo examina a tradição exegética e a metodologia anteriores de Agostinho, identificando os recursos hermenêuticos que ele usa em suas Enarrationes in Psalmos, como a prosopologia, a tipologia e a regula fidei. O segundo capítulo analisa individual e contextualmente cada uma das imprecações dos Salmos, organizando-as em três categorias de acordo com as Enarrationes de Agostinho: as breves notas exegéticas, os sermões pregados e os sermões ditados. O terceiro capítulo se concentra nos elementos teológicos e práticos da exegese agostiniana, destacando como Agostinho transforma o significado das imprecações em uma mensagem de conversão e purificação espiritual.

Chaves teológicas para a exegese agostiniana

Frei Lounal elabora a interpretação de Agostinho, destacando os princípios teológicos fundamentais em sua leitura das imprecações. Primeiro, as imprecações são entendidas como profecia, não como desejos de vingança. Agostinho distingue entre aquelas que anunciam o julgamento final, aquelas que se referem a eventos já cumpridos na história da salvação e aquelas que refletem a luta do crente no tempo presente. A regula fidei é outro princípio fundamental na interpretação dos Salmos, garantindo que essas invocações sejam sempre compreendidas em harmonia com a bondade e a justiça de Deus.

A identidade de Deus na exegese agostiniana é apresentada de forma equilibrada entre sua justiça e sua misericórdia. Sua ira não é uma paixão desordenada, mas a expressão perfeita de seu amor e justiça. Além disso, a identidade do Totus Christus, ou seja, a unidade entre Cristo e a Igreja, é fundamental na leitura dos Salmos. Quando o salmista clama por justiça, ele o faz em nome de toda a Igreja, não como um indivíduo em busca de vingança. Assim, Agostinho transforma a maldição em uma oração de conversão, interpretando essas imprecações como um apelo para que o orgulho e o pecado sejam erradicados e os pecadores encontrem o caminho da graça.

Outro aspecto central da tese é a identificação dos inimigos nos Salmos. Agostinho faz distinção entre inimigos internos e externos. Dentro da Igreja, ele considera os hereges e cismáticos, como os donatistas, pelagianos e maniqueístas, cujas doutrinas desviantes representavam um perigo para a unidade e a pureza da fé. Fora da Igreja, ele identifica os pagãos e os judeus como inimigos, embora insista que o verdadeiro adversário é o demônio e o pecado. Nesse sentido, a luta dos fiéis não é contra as pessoas, mas contra as forças espirituais que os afastam de Deus.

Agostinho emprega um método exegético baseado em tipologia, prosopologia e interpretação dos nomes e lugares mencionados nos Salmos. Sua leitura dos versículos imprecatórios reflete um espírito transformador, no qual o sentido literal dos textos é elevado a um significado espiritual mais profundo. A flexibilidade de seu método permite diferentes interpretações válidas, sempre dentro dos limites da regula fidei, garantindo que a mensagem final não contradiga a natureza amorosa de Deus.

Um marco na jornada acadêmica e religiosa

A defesa da tese de doutorado do Pe. Lounal representa a culminação de um árduo trabalho de estudo e reflexão teológica. Sua pesquisa não só enriquece o campo da teologia patrística, mas também oferece uma leitura renovada da exegese agostiniana, destacando a estabilidade de seu método hermenêutico e sua aplicabilidade na compreensão dos textos bíblicos na atualidade.

Durante a defesa, o tribunal elogiou a precisão metodológica e a profundidade da análise, destacando a importância desse estudo para uma melhor compreensão da interpretação patrística dos Salmos. A pesquisa de Lounal mostra como a exegese de Agostinho pode iluminar a compreensão atual dos textos bíblicos e sua aplicação na vida da Igreja.

Os esforços e a dedicação de Lounal a essa pesquisa foram reconhecidos durante a cerimônia acadêmica. Ao final do evento, os assistentes felicitaram o novo doutor, celebrando com ele esta importante conquista em seu caminho intelectual e espiritual. Com a conclusão de seu doutorado , o padre Lounal se une à tradição dos estudiosos agostinianos recoletos que, com seu trabalho, continuam a aprofundar a riqueza do pensamento patrístico e seu impacto na teologia contemporânea.