Presente

“Por favor, Dom Azcona, não se deixe matar”

P.- O senhor encontra-se ameaçado de norte. Por quê? Por quem?
R.- Ameaçado pela máfia da exploração sexual de menores e também do tráfico humano, especialmente para Europa. No ano passado, no dia 23 de dezembro, em O Globo apareceu meu nome junto com outros quinze. Neste grupo de 16 estamos três bispos do Pará, da Amazônia Oriental. Tenho razões para acreditar que estou sendo procurado pelos narcotraficantes porque me oponho diretamente e sempre que tenho oportunidade a esta bárbara e destrutiva invasão da personalidade humana, da família e da sociedade. E também por parte de alguns grupos de políticos que denuncio nos meios de comunicação pelo total e irresponsável descaso da vida humana e dos direitos fundamentais da pessoa e da dignidade do ser humano. Estou sendo procurado e tenho que ter cuidado.

P.- Por que recusou os serviços de segurança e escolta que lhe oferece o Estado brasileiro?
R.- Por várias razões. Primeiro porque é relativa a segurança que o Estado pode me dar; como me dizia o Promotor de Justiça do Brasil, se quiserem me matar me matam. Segunda razão: os seguranças são normalmente pais de família, esposos, que deixariam toda uma família por defender a uma única pessoa. E terceiro, somos aproximadamente 200 os que estamos “marcados para morrer” e a maioria não recebe nenhuma proteção da polícia. Creio que não posso aceitar esse privilegio, pelo fato de ser um bispo, e as demais pessoas que também estão ameaçadas de morte.

Mudança de costumes

P.- Não toma nenhuma precaução?
R.- Realmente tenho que tomar algumas medidas básicas. Por exemplo: geralmente não ando sozinho, já não vou de ônibus como fazia antes, agora ando de taxi. De manhã, quando preciso ir da casa episcopal ao porto, peço ao encarregado da Van que me ligue duas quadras antes de chegar para descer e subir rapidamente e não ter de esperar sentado expondo-me a qualquer disparo. Antes eu pensava na morte. Agora penso muito mais. É claro, quando tomo o barco penso: “Aqui também podem me matar”, sobretudo quando viajo ao interior, às comunidades onde, desde uma voadeira, podem metralhar-me.



Passado dia 23 de dezembro, em O Globo apareceu meu nome junto com outros quinze.
P.- Não tem medo?
R.- O pensamento da morte é freqüente, mas é um pensamento pacífico, sereno, tranqüilo, não sinto ansiedade nem angústia. Sempre respondo aos jornalistas que muitas vezes me alegro pensando na possibilidade de morrer mártir, de morrer pelo Evangelho, como dizem os bispos do Brasil numa nota que publicaram no mês de abril explicando nossa situação. Para mim seria uma alegria poder entregar minha vida por Jesus Cristo, o Filho de Deus que deu sua vida por mim. Para mim seria o melhor final de minha existência e agradeceria a Deus isto como o máximo dom que poderia receber de sua parte. Neste sentido estou tranqüilo.

Marcado para morrer

P.- Parece que em lugar de assustar, as ameaças o estimulam.
R.- É interessante pregar o evangelho a partir desta condição de “marcado para morrer” podemos fazê-lo com mais liberdade, tanto diante de ministros quanto de advogados do Estado, dizendo: “É necessário avançar, é necessário por em risco a vida”. Se não assumirmos uma posição decidida e não fizermos uma opção pelos valores éticos e pelo evangelho, não vamos conseguir nada. Daí que eu me sinta alegre e feliz de poder pregar o Evangelho de uma maneira simples, de uma maneira inculturada, de uma maneira realista. E também de poder dizer: “Que bom, Senhor, porque estando ameaçado de morte, muitos são confirmados na fé e se decidem também a ir até o final”.

P.- Em sua diocese há 300 quilômetros de costa amazônica por onde entra e sai todo tipo de mercadorias.
R.- Exatamente, a configuração geográfica da nossa missão é especialmente adequada à presença de grupos mafiosos, do narcotráfico e dos inimigos da estabilidade social, começando por esses 300 quilômetros que forma o delta do Amazonas. São 300 quilômetros que estão desprotegidos, nunca se vê por ali um barco da marinha brasileira, nem grande nem pequeno. Por ali entram armas, entra e sai droga, porque é a rota mais fácil para os que vêm da Amazônia, começando por Colômbia, Equador, Peru… tudo vai por esse rio. Além do mais, a proximidade com a Guiana Francesa facilita enormemente o tráfico humano assim como a biopirataria. É uma região completamente abandonada, o que constitui um problema de segurança nacional do Brasil.

Destino: Europa

P.- Para que haja venda, oferta, é necessário que haja demanda. Essa demanda das mulheres traficadas. Da onde vem essa demanda?
R.- Essa demanda acontece ali mesmo por meio dos chefes das máfias e das suas ramificações existentes na própria Marajó. Ali mesmo, com falsas promessas as moças são enganadas – algumas não, pois sabem para que estão indo- pensando que na Europa irão encontrar um modo de vida fácil e também digno. A realidade é um caminho sem retorno, no qual a dignidade humana e o futuro de famílias inteiras são totalmente destruídos.

P.- Espanha é um dos países onde mais mulheres traficadas chegam, muitas delas menores. O senhor recebeu apoio da Igreja espanhola na hora de denunciar este tráfico de pessoas?
R.- A mim me preocupa e me angustia enormemente este assunto. Creio que a Igreja toda no Brasil e também na Espanha como principal país receptor –nem todas (as mulheres) ficam por aqui, muitas vão para o resto da Europa- deveríamos fazer um trabalho em conjunto e uma pressão nos órgãos oficiais para uma maior vigilância e fiscalização deste mercado humano desastroso, vergonhoso, tão indigno da humanidade e tão contrário ao Evangelho.

Recuperar a vida

P.- Estão fazendo algo mais para ajudar a salvar estas pessoas?
R.- Nossas ações eclesiais estão servindo aos organismos oficiais do Governo do Estado e da Nação, a fim de concretizar ações e programas onde essas pessoas sejam defendidas, protegidas para não cair nestas redes tão perigosas. Creio que neste sentido estamos fazendo um trabalho muito bom porque se trata de entrar com uma nova legislação, com uma nova consciência numa área que, até três anos atrás, estava quase intacta e na qual ninguém se comprometia. Com este risco, essas jovens e suas famílias que desejam realmente ser protegidas, estão começando a ter um caminho de proteção, de recuperação da vida.

Aborto e homossexualidade

P.- E o governo de Lula não está fazendo nada?
R.- Quanto ao Governo Lula, vamos por partes. Por exemplo, a defesa da vida: aborto, eutanásia, matrimônio gay… É um governo que está entregue à barbárie. Está-se tramitando no Senado um projeto de lei para liberalizar completamente o aborto, de maneira que se permita o aborto até no instante mesmo de nascer. Algo bárbaro. Só um detalhe, a posição de Lula em concreto é de cobardia total. Nas declarações oficiais diante dos grandes meios de comunicação disse que é católico, que sua mulher também, que sua mãe também e que está contra o aborto, mas que ele quer ouvir ao povo brasileiro manifestar-se sobre o aborto. E ele sabe que o povo foi objeto de estatísticas contundentes, científicas, constantes e permanentes com 87 por cento de rejeição ao aborto, de 90 por cento contra de sua liberalização e assim segue mais ou menos. Se ele entende que o povo brasileiro é o Senado ou a Câmara de Deputados… no Senado 42 por cento dos membros estão sendo processados civilmente ou criminalmente… A estes senhores é que Lula quer ouvir para que decidam sobre a vida humana indefesa? É absurdo, tão absurdo quanto ele chamar-se de católico.

Políticos corruptos

Se vamos à Câmara a porcentagem de pessoas que estão sendo processadas pelo civil ou pelo penal é ainda mais elevada. A Câmara aprovou faz um par de anos, quando o presidente era Severino Cavalcanti, um “fervoroso católico”, aprovaram os experimentos com células embrionárias, mas se constatou que estavam comprados e que ele mesmo, depois de dois meses se constatou que era corrupto e teve que ser retirado da presidência da Câmara que defendeu a aprovação desta lei. Estes são os legisladores sobre matéria de vida humana, dignidade humana, direitos humanos no Brasil, e isto está consentido – o digo sem nenhum reparo- está consentido pelo nosso presidente Lula. Com o prestígio e a influência política que ele tem na Câmara e no Senado, se quisesse, se fosse um católico coerente e não um covarde, já teria terminado com alguns projetos como o da aprovação dos matrimônios gays e a legislação contra a homofobia com a qual nem você nem eu poderemos ler o capítulo um da carta de São Paulo aos Romanos onde se fala dos homossexuais, porque seremos levados à prisão durante três anos segundo o projeto que se está tramitando há um ano no Senado. Absurdo! É a ideologia, já não se trata de respeitar ao homossexual. Na Igreja todo o mundo respeita, mas é que é ideologia pura, é exaltação, divinização, idolatria do homossexual e do gay. Quer dizer, continua sociologicamente o que psicologicamente dizem a maior parte dos psicólogos sobre o narcisismo do homossexual. E isto já a níveis oficiais de legislação e a níveis de representação política.

Exemplos de vida

P.- Que pensam de sua situação os Agostinianos Recoletos?
R.- Um agostiniano recoleto me contou: “Minha mãe me chamou outro dia por telefone e me perguntou: “Meu filho, estou ouvindo dizer que você está na diocese de um bispo ameaçado de morte. É verdade?”. “Sim mãe, é verdade”. “Mas, meu filho, tenha cuidado, senão vou morrer de medo”. “Mãe, eu sei que Jesus Cristo me mandou para aqui como agostiniano recoleto, a esta paróquia como pastor deste rebanho e aqui há muitas ovelhas abandonadas e feridas. Se tenho que morrer por estas ovelhas, mãe, eu morrerei”. Diante desse exemplo, é uma maravilha poder viver o Evangelho com irmãos dessa categoria, com sacerdotes desse calibre. Isto te anima a entrar na luta. Outros permanecem mais na expectativa para ver o que acontece. É um processo. Alguns são lentos para assimilar.

Apoio incondicional

P.- O senhor tem recebido algum tipo de apoio da Ordem dos Agostinianos Recoletos?
R.- Sim, apoio total, tanto da Cúria quanto do meu provincial. Completo apoio. Chamam-me pessoalmente para inteirar-se e me dizem que toda a Ordem está rezando. Animam-me e me dizem que estão conosco na missão. Isto, sim, que é estupendo de verdade, muito bonito, muito bom.

P.- Que dizem os católicos de Marajó ao saber que o senhor está ameaçado de morte?
R.- O povo está orando muito. A maioria estranha e se pergunta como é possível que ameacem ao bispo. Nota-se na acolhida, nos abraços. Faz dois domingos em Melgaço, ao despedir-me, um pai de família me abraçou e se agarrava a mim dizendo: “Por favor, Dom Azcona, não se deixe matar, não se deixe matar”.

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