Os agostinianos recoletos nascem no ano 1588 em Toledo, no Capítulo da Província de Castela dos Agostinianos, como um grupo de religiosos “amantes da perfeição monástica que desejam seguir um plano de vida mais austero”, segundo diz a definição quinta deste mesmo Capítulo provincial. O referido Capítulo encarregou ao conselho provincial de redigir as normas que iriam reger a vida deste novo grupo de recoletos. O conselho, por sua vez, delegou este trabalho a frei Luis de León e a Jerónimo de Guevara. Este último morreu logo, na Páscoa de 1589. Assim se atribui a frei Luis de León a autoria do documento conhecido como A Forma de Viver, que regulará a vida dos conventos recoletos. Foi o mesmo frei Luis de León quem o apresentou ao capítulo intermediário celebrado em 1589 no convento de Nossa Senhora do Pinheiro. Segundo afirma Juan de Quijano, contemporâneo de frei Luis, foi este “o que mais animou” a fundação de casas recoletas.
Desejo de perfeição
A Forma de Viver consta de 14 capítulos, que foram aprovados pela província de Castela a 17 de setembro de 1589. Posteriormente, em 1597, foi aprovada pelo Papa Clemente VIII. O texto da Forma de Viver esteve vigente por quarenta anos (foi substituído em 1637 por umas constituições mais amplas). Seu espírito, contudo, vai além do que está no no texto, recolhe e reflete o desejo de “perfeição monástica” que conduziria a família religiosa dos recoletos ao longo dos séculos. Deste modo, dentro do texto da Forma de Viver, há duas linhas transversais que lhe dão coesão e sentido: a oração e a vida comum.
A vida dos primeiros recoletos estava orientada a fomentar tudo aquilo que “abrasasse mais no amor de Deus” ao religioso e lhe fizesse recordar que sua principal “meta e alvo” é amar a Deus. Buscava-se uma maior intimidade com Deus, de tal maneira que as diversas atividades de cada dia não fossem um obstáculo, mas um elemento que facilitasse e fomentasse o diálogo ininterrupto do religioso com Deus.
Oração e recolhimento
Tudo na vida recoleta deve convidar à recoleção, ao recolhimento interior. O recolhimento exterior se torna um elemento que facilita e favorece o recolhimento interior. Na Forma de Viver não se rechaça o apostolado, mas se limita e determina, para evitar que, sob pretexto de trabalho pastoral, o religioso apresente desculpas para sair, seja de seu recolhimento interior, seja do recinto exterior do convento. As duas horas de oração mental cotidianas não pretendem outra cosa senão assinalar, por um lado, a importância que deve ter a oração pessoal, e por outra a necessidade profunda que o religioso recoleto deve sentir de Deus, de tal maneira que essas duas horas, se convertam não em uma pesada exigência, mas no mínimo necessário para cada religioso.
Vida comunitária
Mas o ritmo exigente de oração, não faz do recoleto um eremita. A oração, seguindo uma autêntica tradição agostiniana, prepara o religioso para encontrar-se com Deus no irmão dentro da comunidade. A Forma de Viver insistirá muito na vida de comunidade, regulamenta incluso os recreios, os momentos de encontro entre os irmãos, o espaço para manifestar com simplicidade e alegria o fato de ter uma só alma e um só coração orientado para Deus, vivendo na paz, pois “a paz dos religiosos entre si, é evidente sinal de que o Espírito Santo vive neles”. E para favorecer as relações interpessoais dentro da comunidade, a Forma de Viver limita o número de religiosos dentro dela a 20, sendo consciente de que “o amor se conserva melhor entre os poucos”. Na comunidade recoleta se prescinde de privilégios e diferenças entre os religiosos, se desterra o pecúlio e o trato de exceção. Todos dentro do convento são iguais. Ninguém pode ter coisa própria, e a comida, a roupa e o quarto são iguais para todos.
A vida ascética
Como um elemento que ajuda a viver a oração e fortalece a vida da comunidade se encontra a ascese. A Forma de Viver está imbuída de normas e disposições ascéticas, desde os jejuns e mortificações, até as disciplinas, o silêncio e o recolhimento. A Forma de Viver, filha de seu tempo, põe grande interesse em destacar estes elementos ascéticos, mas não perde de vista seu direcionamento para a vida de oração e a comunidade, onde está o acento essencialmente agostiniano.
É certo, também, que no século XVI havia escassa informação da vida de santo Agostinho e das comunidades agostinianas. Pretendia-se apresentar santo Agostinho como um ascético eremita, e que portanto, a imitação externa de seu teor de vida tinha que ver com as práticas próprias dos eremitas do momento, ou seja, com a austeridade, o silêncio, a solidão, as práticas ascéticas. No entanto, há na Forma de Viver idéias de profunda tradição agostiniana que não podem passar desapercebidas como a primazia da caridade e a vida fraterna da comunidade.
Referência carismática
Ainda que estejamos separados mais de quatrocentos anos do texto da Forma de Viver, seu espírito continua vivo e sua essência -que ultrapassam os elementos acidentais e que requerem uma hermenêutica histórica-, continua vigente, como referência carismática para todas as comunidades agostinianas recoletas.