Nós lhes dizemos

Dia e noite: Páscoa em Santo Agostinho

O bispo de Hipona explica que na Páscoa Jesus venceu a escuridão da noite e nos deu a luz da vida.

Com sua ressurreição, nosso Senhor Jesus Cristo glorificou o dia em que sua morte havia feito lamentoso. Portanto, recordando solenemente os dois momentos, permaneçamos vigilantes na lembrança de sua morte e nos regozijemos em acolher sua ressurreição. Esta é nossa festa anual e nossa Páscoa não mais em figura, como era para o velho povo, pela matança de um cordeiro, mas realizada, como para o novo povo, pelo sacrifício do Salvador, pois Cristo, nossa Páscoa, foi morto, e o velho faleceu, e eis que todas as coisas se tornaram novas. Se choramos, é apenas porque somos oprimidos pelo peso de nossos pecados e se nos regozijamos, é porque fomos justificados por Sua Graça, pois Ele foi entregue por nossos pecados e ressuscitou por nossa justificação. Chorando pela primeira e regozijando-se com a segunda, estamos cheios de alegria. Não o deixamos passar despercebido com um esquecimento ingrato, mas celebramos com uma lembrança grata o que para nosso bem e para nosso benefício aconteceu: tanto o triste evento como o alegre antegozo. Vigiemos, pois, amados, pois o enterro de Cristo foi prolongado até esta noite, para que nesta mesma noite pudesse ocorrer a ressurreição da carne, que então, quando sobre a árvore, foi escarnecida e agora é adorada no céu e na terra.

Na verdade, entende-se que esta noite pertence ao dia seguinte, que consideramos como o dia do Senhor. Certamente Ele deve ter ressuscitado nas horas da noite, porque com Sua ressurreição Ele também iluminou nossas trevas e não foi em vão que cantávamos para Ele com tanta expectativa: Tu acenderás minha lâmpada, ó Senhor; meu Deus, tu acenderás minhas trevas.

Nossa devoção também honra um mistério tão grande, de modo que, como nossa fé, corroborada por sua ressurreição, já está acordada, esta noite, iluminada por nossa vigília, pode brilhar tão intensamente que, junto com a Igreja espalhada por todo o mundo, podemos pensar hoje, como deveríamos, em não ser encontrados na noite. Para tantos e tantos povos que, sob o nome de Cristo, reuniam em toda parte esta famosa solenidade, o sol se punha, mas ainda era dia, pois a luz da terra tomava o lugar da luz do céu.

Entretanto, se alguém procura o que esta nossa vigília deve à sua importância, pode encontrar as causas adequadas e responder com confiança, pois foi Ele que nos concedeu a glória de Seu nome que iluminou esta noite, e Ele a quem dizemos: “Tu iluminarás minhas trevas concede luz aos nossos corações, para que, como, com deleite para os olhos, vejamos o esplendor destas lâmpadas, assim também vemos, iluminados na mente, o significado desta noite brilhante.

Por que, então, os cristãos mantêm-se vigilantes nesta festa anual? Esta é nossa vigília por excelência, e nossos pensamentos geralmente não voam para nenhuma outra solenidade além desta quando, movidos pelo desejo, perguntamos ou dizemos: “Quando é a vigília? -Quando é a vigília? -A resposta é: “Dentro de tantos dias”, como se, em comparação com isso, os outros não fossem considerados como vigílias. Certamente, o Apóstolo exortou a Igreja a ser assídua não só no jejum, mas também nas vigílias. Falando de si mesmo, ele diz: muitas vezes em jejum, muitas vezes em vigília. Mas a vigília desta noite se destaca tanto que pode reivindicar como próprio o nome que é comum a todos os outros. Assim, então, direi algo – o que o Senhor me conceder – primeiro sobre a vigília em geral e depois sobre a vigília específica de hoje.

Naquela vida para cujo descanso todos nós nos cansamos, uma vida que a verdade nos promete para depois da morte deste corpo ou mesmo para o fim deste mundo, na ressurreição, nunca dormiremos, assim como nunca morreremos. O que mais é o sono senão uma morte diária que não tira o homem daqui nem o mantém aqui por muito tempo? E o que mais é a morte senão um sono longo e muito profundo, do qual o homem é despertado por Deus? Portanto, onde não vem a morte, nem o sono, sua imagem, vem. Conseqüentemente, somente os mortais experimentam o sono. O resto dos anjos não é deste tipo; como vivem perpetuamente, nunca reparam sua saúde através do sono. Como existe a própria vida, existe uma vigília sem fim. Não há nada mais na vida do que estar acordado, e estar acordado não é nada mais do que viver. Nós, por outro lado, enquanto estamos neste corpo que corrompe e sobrecarrega a alma, já que não podemos viver se não repararmos nossas forças com o sono, interrompemos a vida com a imagem da morte para viver, pelo menos, em intervalos. Aquele, portanto, que assiduamente e castamente e sem prejudicar ninguém assiste às vigílias, sem dúvida imita a vida dos anjos – pois, na medida em que a fraqueza desta carne se torna para eles um fardo terreno, os desejos celestes são sufocados – lutando com uma vigília mais longa contra este fardo que suporta a morte, a fim de adquirir por ela uma recompensa na vida eterna. Ele está em desacordo consigo mesmo que deseja viver para sempre e não quer prolongar suas vigílias; ele deseja que a morte desapareça completamente e não quer que sua imagem diminua. Esta é a causa, esta é a razão pela qual o cristão tem que exercer sua mente, mantendo-a em vigília, com mais freqüência.

Agora, irmãos, enquanto nos lembramos de algumas outras coisas, voltem sua atenção para a vigília especial de hoje à noite. Já disse por que devemos subtrair o tempo do sono e acrescentar mais freqüência às vigílias – agora direi por que mantemos a vigília esta noite com tanta solenidade.

Nenhum cristão duvida que Cristo, o Senhor, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia. O Santo Evangelho testemunha que o evento aconteceu esta noite. É claro que o dia inteiro começa a ser contado a partir da noite anterior, embora não esteja de acordo com a ordem de dias mencionada no Gênesis, apesar de que também havia escuridão que precedia o dia, pois a escuridão estava sobre o fundo quando Deus disse: “Que haja luz, e havia luz”. Mas como aquela escuridão ainda não era noite, também não havia dias. De fato, Deus fez a divisão entre luz e escuridão, e primeiro chamou a luz de dia, e depois a escuridão de noite, e o espaço desde o momento em que a luz foi feita até a manhã seguinte foi mencionado como um dia. É evidente que aqueles dias começaram com a luz e, depois que a noite passou, duraram cada dia até a manhã. Mas, depois que o homem criado pela luz da justiça caiu nas trevas do pecado, das quais a graça de Cristo o libertou, o fato é que contamos os dias das noites, porque nosso esforço não é dirigido para passar da luz para as trevas, mas das trevas para a luz, que esperamos alcançar com a ajuda do Senhor. Assim o Apóstolo também diz: A noite passou, o dia está próximo; vamos, portanto, adiar os trabalhos das trevas e colocar a armadura da luz. Portanto, o dia da paixão do Senhor, o dia em que Ele foi crucificado, seguiu Sua própria noite já passada, e portanto fechou e concluiu na preparação da Páscoa, que os judeus também chamam de “ceia pura”, e a observância do Sábado começou no início desta noite. Consequentemente, o sábado, que começou com sua própria noite, terminou na noite seguinte, que já é o início do dia do Senhor, porque o Senhor o tornou santo com a glória de sua ressurreição. Nesta solenidade, portanto, celebramos agora a lembrança da noite que começou o dia do Senhor, e vigiamos a noite em que o Senhor ressuscitou dos mortos. A vida da qual ele falou há pouco, na qual não haverá morte nem sono, ele iniciou para nós em sua carne, de modo que ele ressuscitou dos mortos e não morre mais, nem a morte tem domínio sobre ele.

Aqueles que o amavam vieram ao seu túmulo para procurar seu corpo já pela manhã, e não o encontraram, mas receberam uma mensagem dos anjos de que ele já havia ressuscitado; é claro, portanto, que ele havia ressuscitado naquela mesma noite, cujo fim foi aquela madrugada. Conseqüentemente, o Ressuscitado, a quem cantamos nesta vigília um pouco mais longa, nos concederá reinar com ele na vida sem fim. E se, por acaso, nessas horas que passamos em vigília, seu corpo ainda estava no túmulo e ele ainda não havia ressuscitado, não nos comportamos incongruentemente ao fazê-lo, pois aquele que morreu para que pudéssemos ter vida, adormeceu para que pudéssemos manter a vigília. Amém.

San Agustín
Sermón 220

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