Padre Ángel responde amplamente a cada uma de nossas perguntas. Para facilitar uma visão de conjunto e suscitar o interesse, selecionamos alguns aspectos e oferecemos em documento anexo a entrevista completa para quem desejar aprofundar sobre o tema.
P.- Que sentido tem o dia 5 de dezembro para os agostinianos recoletos?
R.- Lembrar o nascimento agrada e ajuda a crescer. Em nosso caso são as idéias que puseram em marcha e deram vida a nossa ordem, a nosso modo de viver. Não temos um fundador, com quem medir-nos e comparar-nos. Nem uma casa solar que nos permita recriar os espaços vitais de nossa infância. Mas temos uma data bem definida, o dia 5 de dezembro de 1588, em que uns quantos agostinianos desejosos de maior perfeição decidem inaugurar uma diferente forma de viver, que não tardariam em plasmar em um escrito ao que dão precisamente o título de Forma de viver. O escrito adquire relevância na metade do século XX, graças aos estudos do padre Jenaro Fernández e o entusiasmo do padre Eugenio Ayape. Desde o primeiro momento Ayape viu na descoberta da ata e da Forma de viver um precioso apoio ao seu programa de governo, todo ele centrado na recuperação e fomento dos aspectos mais valiosos de seu carisma, quer dizer, a interioridade e a vida comum. Imediatamente mandou traduzir a Forma de viver e aproveitou a publicação da Ratio Institutionis, um documento que abarcava o ciclo completo da formação dos religiosos em suas vertentes doutrinal, espiritual, apostólica e agostiniano-recoleta, para declarar o dia 5 como «dies natalis ordinis» e ordenar que se celebrasse como tal em todas as casas da ordem.
P.- Quais são as notas características da recoleção agostiniana?
R.- A Recoleção nasce em um clima de esplendor, de alta tensão espiritual, em um tempo em que é geral o desejo de dedicar-se no serviço de seu Senhor. Em perfeita consonância com esse clima, de que eram filhos, nossos pais quiseram que a primeira característica de seus discípulos fosse a aspiração a destacar-se no serviço de Deus. Nada menos que três vezes estampam a palavra perfeição nas escassas onze linhas que compõem o primeiro parágrafo da Forma de viver. Essa perspectiva enlaça as mil maravilhas com o ideal de Santo Agostinho e também com as fontes mais genuínas da vida religiosa.
Junto a essa atitude primordial, que impregna a forma de viver do princípio ao fim, brilham nela o desejo de uma profunda vida interior, o amor à vida comum, e um pronunciado ascetismo.
A vida interior se manifesta tanto no apreço à oração mental e ao silêncio como na organização da jornada das comunidades. A comunidade recoleta é uma comunidade atenta ao hóspede divino que habita nela, ao mestre que fala no interior de cada de seus membros; é uma comunidade recolhida, o adjetivo em que se cifrou a espiritualidade espanhola do século XVI; é uma comunidade que foge da dispersão, da algazarra e da superficialidade.
O amor à vida comum ou vida fraterna em comunidade, como acabamos de dizer, fez de Agostinho um fundador. Chamou amigos e discípulos para que vivessem juntos, compartissem bens materiais e espirituais, fossem complacentes uns com outros e respeitassem mutuamente sua individualidade e inclusive seus hábitos e debilidades. A comunidade era para ele um campo privilegiado para cumprir plenamente o preceito da caridade, que é o único que realmente o preocupava, porque, como escreveria em seu livro De moribus Ecclesiæ, onde há caridade tudo é pleno e onde falta, todo é vão.
O ascetismo se materializa em uma série de normas práticas que envolvem a vida toda do indivíduo e da comunidade: abundância de jejum e disciplinas, edifícios e celas toscos e vestuário grosseiro, pobreza real das comunidades e do indivíduo. Esta é uma mensagem dura que poucos estão dispostos a escutar em um mundo dominado por uma antropologia humanista esquecida da transcendência e do pecado original. E além do mais nem todas suas fontes são evangélicas. Para fazê-lo atrativo talvez convenha reduzi-lo a uma única palavra, que poderia ser a palavra sobriedade. A sobriedade poderia ser o nome atual da ascese e o antídoto cristão contra o consumismo que tanto se despreza, mas que com tanto afã se busca.
Para mim a perfeita comunidade é o reflexo de uma comunidade de amor, nascida e sustentada pela graça de Deus e consagrada ao seu serviço; uma comunidade de vida simples e sóbria, na que tudo se põe em comum: talentos, afetos do coração e bens materiais; na qual não cabe o autoritarismo nem o privilégio, mas o respeito à personalidade de seus membros e atende a suas necessidades; uma comunidade que vive em diálogo fraterno e confiante dedica algum tempo ao trabalho manual e se comunica com a Igreja local; uma comunidade que, embora careça de uma missão concreta e determinada, deve estar sempre atenta à voz do Senhor e às necessidades da Igreja. Creio que esse é também o modelo que deve seguir a comunidade agostiniano-recoleta. Nossos reformadores do século XVI se fixaram mais em aspectos como a oração, a comunidade e o ascetismo, mas o Espírito nos tem ensinado, através das fases da história, a apreciar aspectos como a abertura eclesial e o humanismo, que nossos pais deixaram um tanto na sombra.
O espírito de oração é o aspecto distintivo da Recoleção. P.- Vamos deter-nos na oração. Que é a oração para um agostiniano recoleto?
O espírito de oração é o aspecto distintivo da Recoleção, o que melhor a distingue e define ao menos em suas origens. É também o que lhe dá o nome. Se em princípio o termo recoleção significou solidão, afastamento, recolhimento, logo passou a significar um recuo da alma sobre si mesma, interiorização e recolhimento das potências da alma.
As casas dos primeiros recoletos eram autênticas casas de oração e recolhimento, e seus frades viviam totalmente entregados a ela. «Todo o exercício do religioso», escreveu Quiñones, o legislador dos recoletos franciscanos (1521), «há de ser leitura, oração, meditação e contemplação». E essa norma ou, melhor, essa aspiração foi integramente recolhida pelas diversos movimentos de recoleção que, a exemplo dos franciscanos foram surgindo nas demais ordens mendicantes. Todas elas viram na oração seu centro nevrálgico, a que dirigia e ordenava sua vida.
O autor da Forma de viver comparte essas idéias, mas, como bom agostiniano, não as apresenta como meio, mas como fim, que na vida cristã sempre é a caridade. Para ele a oração é preciosa porque é o melhor alimento da caridade, e assim o proclama no umbral mesmo do primeiro capítulo. E não se contenta com esta solene declaração de princípio. Para evitar que suas palavras fiquem como mera teoria, da declaração de um simples desejo, passa de imediato a legislar sobre tempos, lugares e modos de oração. Desde o primeiro momento deixa bem claro que a eucaristia, a liturgia das horas e a oração mental são marcos que devem emoldurar e ordenar a jornada da comunidade recoleta.
Como com esses atos não podem desenvolver plenamente sua potencialidade se carecem de um clima adequado, busca criá-lo com normas precisas sobre o silêncio, o retiro nas celas, a leitura espiritual, o afastamento dos negócios seculares e inclusive sobre as mortificações.
O espírito de oração viveu tempos convulsos. A meados do século XVII se produziu um esfriamento, uma queda da tensão religiosa na sociedade e as exigências do apostolado, cada dia mais intenso, motivaram essa mudança. Durante os séculos XVIII e XIX continuou a parábola descendente. Desde 1760 a meditação já era uma prática pouco comum na vida de seus missionários, deixada quase completamente à decisão de cada um. Durante o século XIX a Ordem, confinada nas ilhas Filipinas, não acertou a neutralizar o embate das circunstâncias e, arrastada por elas, foi se afastando de suas fontes originárias para buscar inspiração na espiritualidade sacerdotal e individualista da época. No último tércio do século XIX aflorou certa nostalgia do passado e apareceram vozes que clamavam por uma mudança de direção.
P.- Quanto tempo lhe dedicam e como a fazem?
R.- Por volta de 1660 a meditação, tanto a matutina como a vespertina, durava meia hora. As outras duas meia hora eram substituídas, respectivamente, pela missa solene em honra da Imaculada e o canto da Salve e o Joseph. O capítulo geral de 1666 reduziu também a meia hora a meditação vespertina de festas e domingos. Após a guerra da Independência o tempo dedicado à oração diminuiu drasticamente. O ofício divino não recuperou nunca a antiga solenidade e a oração mental ficou reduzida a duas meia hora. Em 1888 santo Ezequiel levou consigo essa prática a Colômbia e dez anos mais tarde os superiores a impuseram nas residências que começavam a surgir em diversas regiões da Espanha e América, ainda que nestas tardaria algum tempo em arraigar. Com a normalização da vida da Ordem na primeira década do século XX essa normativa se generalizou na Ordem e continua vigente até hoje.
Nestas últimas décadas todos sabemos que a meditação da manhã se faz em comunidade, sendo cada um livre de escolher o tema que mais lhe agrade. Pessoalmente creio que com certa frequência os critérios com que se escolhem esses temas não são muito acertados. O tempo e outras modalidades da meditação da tarde se deixou ao arbítrio das comunidades locais.
As ocupações dos frades de hoje são bem diversas das daquela época. P.- Há algum modo agostiniano recoleto específico para fazer a meditação ou a oração mental?
R.- No passado houve ao menos certa uniformidade nos temas meditados e na orientação afetiva, hoje reina uma heterogeneidade absoluta. Cada qual organiza sua meditação com absoluta independência, segundo seus gostos e exigências pessoais.
P.- A oração de hoje é como a do século XVII, quando nasceu a Ordem?
R.- Não é e nem pode ser. As ocupações dos frades de hoje são bem diversas das daquela época. E não menos diversas são sua antropologia e sua visão do mundo. Hoje sentimos menos a necessidade de orar porque nos consideramos mais auto-suficientes e, portanto, estamos menos propensos ao céu. Custa-nos mais sentir-nos verdadeiros mendigos de Deus, que é uma atitude que dispõe naturalmente à oração e facilita a adoção de alguns meios ascéticos, absolutamente indispensáveis para orar com um mínimo de sossego. Só quando a desgraça se abate sobre nós ou sobre algo que nos toca pessoalmente, logramos assimilar e fazer nossa essa atitude.
P.- Por que se conhece a espiritualidade teresiana, a de São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola e não a dos agostinianos recoletos? Poderia indicar-nos alguns frades eminentes por sua espiritualidade agostiniano-recoleta?
R.- Entre os recoletos tem havido homens de notável espiritualidade, mas que não alcançaram maior projeção, e evidentemente nenhum deixou uma obra comparável à desses grandes mestres da vida espiritual. Mas não convém esquecer que nossa tradição espiritual não começa no século XVI. Remonta-se a santo Agostinho, que também neste campo é nosso primeiro mestre. Logo encontramos a Tomás de Vilanova, a Tomé de Jesus ou Alonso de Orozco. Os três se alimentaram do húmus espiritual que deu origem à Recoleção e todos eles deixaram importantes lições espirituais, com as quais nós, os recoletos, podemos facilmente nos sintonizar. Creio que ganharíamos bastante se lhes déssemos um pouco mais de atenção.
Entre os escritos e figuras espirituais da Recoleção eu daria destaque aos dois primeiros mártires do Japão, a André de São Nicolau, Agostinho de Santo Ildefonso, Ezequiel Moreno e Jenaro Fernández. Os beatos Francisco de Jesus e Vicente de Santo Antônio ofereceram a Cristo a suprema homenagem de seu amor em um ambiente de alegria cristã, de união fraterna e de comunhão eclesial que conferem a seu testemunho vitalidade perene. André de São Nicolau e Agostinho de Santo Ildefonso são talvez os melhores transmissores da herança espiritual da primitiva Recoleção, enquanto que Ezequiel Moreno e Jenaro Fernández souberam encarnar seus valores fundamentais em tempos próximos de nós.
Também o rico legado espiritual das recoletas está pedindo uma maior atenção. Entre elas nunca faltaram almas seletas e não poucas delas deixaram registradas suas experiências de oração. A primeira é, sem dúvida, a madre fundadora, Mariana de Jesus, em quem temos um modelo de santidade e uma mestra de oração. A seu lado se santificaram várias religiosas das que também possuímos documentação de primeira mão. Basta citar a Isabel da Cruz, confidente de Luisa de Carvajal nos anos de sua juventude e, desde 1604, companheira inseparável de madre Mariana; e Inês da Encarnação, heroína da caridade e mulher de grande poder de persuasão, que nos deixou um precioso relato dos dons com que Deus foi marcando sua vida.
Também temos relatos autobiográficos de Isabel de Jesus (1584-1648), a humilde pastora de Navalcán, que antes e depois de entrar no convento de Arenas de São Pedro, viveu em contínua comunicação com Deus; de sua sobrinha Isabel da Mãe de Deus, cujo processo diocesano de beatificação se encerra nestes dias; de Antônia de Jesus, a fundadora dos conventos andaluzes; de Maria de São José (1656-1719), uma das fundadoras dos conventos mexicanos de Puebla e Oaxaca, de cuja amplíssima autobiografia se publicou ultimamente alguns extratos, e outras várias que omito por no alargar demasiado esta lista.
Faço uma exceção com duas religiosas quase contemporâneas nossas: a venerável Mônica de Jesus, cujo processo de beatificação está bem adiantado, e Guadalupe Vadillo, a grande restauradora da Recoleção feminina no México. Os escritos de ambas são ricos em experiências de oração e lições espirituais.
Em suas primeiras décadas as principais devoções dos frades foram a Eucaristia, a cruz de Cristo e a Virgem Maria. P.- Quais são as devoções principais da Ordem?
Em suas primeiras décadas as principais devoções dos frades foram a Eucaristia, a cruz de Cristo e a Virgem Maria, às quais na segunda metade do século XVII se acrescentou a devoção a são José.
A piedade eucarística se manifestava na celebração diária da eucaristia conventual e das missas privadas de todos os sacerdotes assim como na comunhão extraordinariamente frequente dos religiosos não sacerdotes – uns 130 dias por ano-.
Também a devoção à paixão de Cristo arraigou profundamente nos claustros recoletos. A cruz de Cristo era o tema ordinário de sua meditação matutina; presidia a nudez de suas celas e a maioria das salas comuns.
A Forma de viver não dedica nenhuma palavra a Maria e, portanto, deixa intacta a legislação geral da Ordem. Isso nos leva a deduzir que as comunidades recoletas se contentaram com as comuns práticas marianas existentes nela. No entanto, não foi essa a realidade. Sua clara tendência contemplativa os moveu a incrementar a frequência de algumas devoções tradicionais e a introduzir outras novas. No próprio dia da profissão todos os religiosos se consagravam a Maria e lhe prometiam perpétua submissão.
Desde 1602 todas as comunidades cantavam a missa sabatina em honra da Virgem e por volta de 1630 começaram a entoar todos os sábados a Salve, que o capítulo de 1660 estendeu às nove principais festas da Virgem. Deram maior realce à festa da Imaculada, convertendo-a em dia de comunhão obrigatória. Pouco depois começaram a rezar seu ofício «todos os sábados, exceto os de advento e quaresma, vigílias, quatro têmporas e os que estivessem impedidos com festas das nove lições».
As constituições de 1912 acrescentaram a recitação diária do rosário, e as de 1928, o exercício mensal dos quartos domingos em honra da Consolação. Nenhuma das duas práticas era nova na Ordem, mas só nas datas indicadas ingressaram em seu corpo constitucional. Outro sintoma de seu fervor mariano o encontramos nos numerosos conventos que se refugiaram sob o patrocínio da Virgem.
Durante os séculos XVII, XVIII e XIX a Ordem não manifestou maior interesse por difundir os títulos marianos próprios da Ordem, como podiam ser a Virgem de Graça, Nossa Senhora da Consolação ou a Virgem do Bom Conselho. A maioria das comunidades preferiu cultivar a devoção a imagens ou invocações marianas associadas a sua própria história particular ou às regiões em que estavam localizadas.
Na Espanha as invocações mais comuns foram as de Copacabana, do Pilar e do Menino Perdido. Nas Filipinas a invocação preferida foi sempre a da Virgem do Carmo. Na Colômbia reinou e continua reinando a Virgem da Candelária.
No século XIX se fez um vazio no coração de muitos religiosos a devoção à Virgem do Caminho, a patrona de Monteagudo, que durante decênios foi o único noviciado da Ordem. Poderíamos recordar outras invocações e manifestações de fervor mariano, mas o foi dito é suficiente para entrever o fervor mariano que sempre acompanhou os recoletos.
O culto litúrgico a são José foi acrescentado bem mais tarde na Igreja ocidental. Só no século XV sua memória foi introduzida no missal (1479) e no breviário (1499) e ainda esperou mais de um século para declará-la festa de preceito (1621). O principal propagador da devoção a São José entre nós foi o padre Gabriel de la Concepción. Durante seu generalato (1630-34) introduziu o canto do Joseph todos os sábados do ano, que depois da podadura de 1968 é hoje a única relíquia do antigo culto da Ordem ao santo. No 1650 a Ordem acrescentou sua comemoração na missa sabatina em honra da Virgem e começou a celebrar com solenidade a festa de 19 de março.
Entre os santos da Ordem os mais venerados são santo Agostinho, santa Mônica, são Nicolau de Tolentino e, nos últimos tempos, santa Rita.
Grande parte de todas estas devoções já pertence ao passado. O capítulo geral de 1968 em seu afã de «racionalizar» a vida de piedade da Ordem, liberando-a do lastro acumulado ao longo dos séculos, afundou demasiado o bisturi e se esqueceu das razões do coração, deixando-a um tanto à intempérie.
O simples fato de uma Ordem ser aprovada pela Igreja nos garante ser este um caminho apto para chegar à santidade. P.- É possível ser santo sendo agostiniano recoleto? Como?
R.- O simples fato de uma Ordem ser aprovada pela Igreja nos garante ser este um caminho apto para chegar à santidade. E a história nos confirma isso. Em todos os séculos, mas de modo especial no primeiro, houve agostinianos recoletos que seguiram a Jesus Cristo mais perto e serviram heroicamente aos homens, anunciando o evangelho e tratando de aliviar a vida dos homens na sua peregrinação por este mundo.
Tem havido centenas de mártires, desde Miguel de la Madre de Dios, protomártir das missões filipinas (1606), até a comunidade de Motril quase toda em 1936 e os cinco religiosos chineses vítimas, entre 1958 e 1989, da fome, do frio e dos trabalhos forçados na China de Mao, passando pelos mártires do Japão e Urabá (Colômbia) em 1632.
Outros consagraram sua vida ao serviço dos leprosos, como Simeão Díaz (1896-1980), que conviveu mais de meio século com os internos na ilha Providência em Maracaibo; outros não duvidaram em sacrificar sua vida para salvar a de seus fiéis, como Jesus Pardo em Lábrea (1955) ou Román Echavarri em Marajó (1981); outros se santificaram na cátedra e na formação dos jovens religiosos, como Juan Gascón em Monteagudo e Marcilla († 1884) e Eugenio Cantera († 1956) em Monachil, ou no ministério paroquial como Juan Pérez de Santa Lucía († 1864) e Melchor Ardanaz († 1921) em Filipinas, Pedro San Vicente († 1915) e Luis Goñi († 1951) em Venezuela ou Santos Ramírez no Brasil († 1934); outros, enfim, como Juan de la Madalena († 1657) e Santiago Fernández Melgar († 1784), alcançaram os cumes da contemplação entre as ocupações domésticos.
Certa incúria no cultivo do próprio, a situação anômala da comunidade durante o século XIX e as limitações jurídicas que durou até 1912 não favoreceram a abertura de processos que apurassem a santidade de nossos irmãos e privou a Ordem de ver alguns de seus filhos nos altares. A meados do século XIX foram beatificados Francisco de Jesus e Antônio de San Vicente e já no século XX assistimos à glorificação de outros dois mártires do Japão e dos sete de Motril. E, sobretudo, se realizou o sonho de ver Ezequiel Moreno nos altares, um religioso que encarnou em grau heróico os aspectos fundamentais da vida agostiniano-recoleta nas três nações nas que então a Ordem esteve presente (Filipinas, Espanha e Colômbia) e em funções tão diversas como as missões, a formação, o governo e a responsabilidade episcopal.
Atualmente a Ordem espera a glorificação de quatro filhos seus. São quatro religiosos de caráter e biografia bem diversos. Ignácio Martínez († 1942) se santificou no imenso isolamento de Lábrea, dedicado de corpo e alma à evangelização de seus pobres e escassos habitantes, morrendo completamente só, sem a companhia de um irmão sequer para lhe fechar os olhos e elevar ao Senhor uma oração por sua alma. Mariano Gazpio († 1989) se adentrou pelos caminhos da santidade nas missões da China e prosseguiu com passo decidido nos claustros de Monteagudo e Marcilla. Alfonso Gallegos († 1991) a alcançou entre a juventude violenta e desorientada dos bairros de Los Ángeles; e Jenaro Fernández († 1972), entre papelotes de arquivo, ao lado dos enfermos e pobres dos bairros baixos de Roma e tramitando expedientes ou redigindo votos para as congregações romanas.
Os agostinianos recoletos, pois, como todos os cristãos, podem santificar-se em qualquer parte do mundo e desempenhando qualquer tipo de trabalho. A chave está, como sempre, no amor que move sua vida, na abnegação de si mesmo e na abertura à voz de Deus e ao apelo dos irmãos.
Se me perguntas por um padrão ou estilo de santidade que se possa considerar como mais próprio de nossa tradição, temo decepcionar-te. Duvido que exista. Talvez existam alguns traços que estão presentes em todos nossos santos. São o silêncio, a simplicidade, a humildade e o cumprimento fiel e calado de seus deveres comunitários e pastorais. A humildade salta à vista inclusive em religiosos que ninguém pensou em elevar aos altares, mas que o povo e os religiosos que conviveram com eles sempre os tiveram por santos. Os já recordados Pedro San Vicente e Santos Ramírez são dois bons exemplos.
A história certamente nos dá luz para conhecer melhor a espiritualidade agostiniano-recoleta e suscita em nós a inquietude para fazer hoje também propostas de vida e santidade que nos impulsionem à contemplação, à comunhão fraterna e à missão evangelizadora.
Padre Ángel, esperamos poder em breve fazer-lhe mais perguntas. Obrigado por seu trabalho em benefício da Ordem e por sua disponibilidade em colaborar com o portal da Ordem.
Dados biográficos | Ángel Martínez Cuesta |
Nasceu em Brullés, Burgos, Espanha, dia 26 de setembro de 1938. De 1949 a 1956 cursou os estudos secundários nos seminários que então os agostinianos recoletos conduziam em Lodosa (Navarra) e Fuenterrabía (Guipúzcoa). Fez o noviciado em Monteagudo (Navarra) e a profissão simples dia 14 de setembro de 1957. Realizou os estudos eclesiásticos na casa de formação de Marcilla, Navarra, onde foi ordenado sacerdote a 29 de setembro de 1961. Depois de estar um ano em Manila, Filipinas, em 1962 começou os estudos de História Eclesiástica na Universidade gregoriana de Roma, onde obteve a licenciatura (1964) e o doutorado (1972) com uma tese sobre a história sociorreligiosa da ilha de Negros, que foi premiada com a medalha de ouro da Universidade. Desde 1962 reside em Roma, dedicado à investigação da história e espiritualidade da Ordem. Durante mais de quarenta anos tem cuidado do Arquivo Geral da Ordem e por trinta anos dirige o Instituto Histórico da Ordem. Em 1978 fundou a revista Recollectio da qual é diretor. Entre suas obras, além da tese de doutorado publicada em inglês em 1980, cabe destacar a biografia do então beato Ezequiel Moreno, O Caminho do dever (1975); o primeiro volume da História dos Agostinianos Recoletos (1995); a edição em quatro volumes do Epistolário de santo Ezequiel Moreno (2006); a biografia em italiano e espanhol do Padre Gennaro Fernández, Se non sono santo, per cosa voglio la vita? (2008); a redação de numerosos verbetes para o Dizionario degli Istituti di Perfezione (1974-2002) e frequentes contribuições em revistas de ciências eclesiásticas, especialmente Recollectio. Atualmente está preparando o segundo volume da História dos Agostinianos Recoletos. |