P.- Que pensava santo Agostinho de Maria a mãe de Jesus?
R.- Para que compreendamos o altíssimo conceito que santo Agostinho tem da Virgem Maria recolho alguns de seus muitos e sublimes pensamentos a respeito: “Sua Mãe o levou em seu seio; levemo-lo nós no coração; a Virgem ficou grávida pela encarnação de Cristo; fiquem grávidos nossos peitos pela fé em Cristo; ela deu à luz o Salvador; façamos o mesmo com nossos louvores. Não sejamos estéreis, sejam nossas almas fecundas para Deus” (S. 189, 3). “Ainda que tenha merecido trazer em seu seio o Filho do Altíssimo, era muito humilde; nem sequer se antepôs ao marido no modo de falar. Não disse: “Eu e teu pai”, mas Teu pai e eu (Lc 2, 48). Não teve em conta a dignidade de seu seio, mas a hierarquia conjugal” (S. 51, 18).
P.- Santo Agostinho nega que Maria tenha sido concebida sem pecado como foi afirmado posteriormente no dogma da Imaculada?
R.- Eis o famoso texto em que santo Agostinho parece defender a imaculada concepção de Maria: "Excetuando, portanto, à santa Virgem Maria, sobre a qual, pela honra devida a nosso Senhor, não quero ter nenhuma discussão, quando se trata de pecados; porque sabemos que para vencer o pecado em todos seus aspectos foi dada graça plena àquela que mereceu conceber e dar à luz ao que não teve nenhum pecado; repito: excetuando a esta Virgem, se pudéssemos reunir e perguntar a todos aqueles santos e santas quando viviam aqui, se estavam sem pecado, que será que responderiam? …Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós (1 Jo 1, 8-9) (De nat. et gr. 36, 42). (O problema está em se santo Agostinho ao dizer "quando se trata de pecados" está se referindo também ao pecado original. A favor temos, entre outras, o seguinte: o fato de que entre os santos mencionados não haja nenhum livre de pecado pessoal é, segundo santo Agostinho, a enfermidade moral contraída por causa do pecado original. Assim, pois, se a Maria não se lhe pode atribuir nenhum pecado pessoal é devido a que não padece esta enfermidade, e isso é o que parece dizer quando fala que lhe "foi dada mais graça". Em todo caso, "a honra devida a nosso Senhor", ficaria a salvo se Maria houvesse contraído o pecado original? Segundo o modo de pensar de santo Agostinho, que lhe atribui a esse pecado uma malícia inclusive mais além da real, não parece que essa honra do Senhor teria ficado a salvo.
Santo Agostinho não fala sobre o tema da Assunção de Maria. P.- Naquele tempo se intuía a Assunção de Maria?
R.- Assim pensam muitos estudiosos do Bispo de Hipona, embora nem todos. Sobre este tema é necessário ter em conta que esta verdade dogmática foi se revelando bem lentamente ao longo do tempo até sua definição em 1950. Tenhamos em conta que santo Tomás de Aquino (século XIII) atribui o pecado original a Maria, assim como outros muitos teólogos do passado, enquanto que Duns Scoto (século XIV) a considera isenta de tal pecado apoiando-se, entre outras razões, na “honra devida a nosso Senhor", segundo diz o texto agostiniano. Em todo caso, pelo que vimos dizendo, se Bispo de Hipona (século V) não acreditasse na concepção imaculada de Maria isso não seria nenhum desprestígio para ele; e se ele a ensinasse constituiria sem dúvida um de seus grandes méritos. Santo Agostinho não fala sobre o tema da Assunção de Maria. O primeiro autor importante que o faz é são João Damasceno já no século VIII.
P.- A Virgem Maria por ser mulher é rechaçada por santo Agostinho?
R.- Além de aconselhar a leitura do livro IX das Confissões que fala de santa Mônica, transcrevo esta passagem de Hiponense como a melhor resposta a todas essas perguntas: “Maria, portanto, fazendo a vontade de Deus, é só Mãe de Cristo corporalmente, mas espiritualmente é também mãe e irmã. Só por isso esta mulher é mãe e Virgem, não só em espírito, mas também no corpo. Não é mãe de nossa Cabeça, o Salvador segundo o espírito, de quem, por outro lado, é espiritualmente filha, porque também ela está entre os que creram nele e que são chamados com razão filhos do Esposo; mas certamente Maria é Mãe de seus membros, que somos nós, porque cooperou com sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis, membros daquela Cabeça, da que efetivamente é Mãe segundo o corpo (De s. virg. 5, 5-6, 6). Fala-se aqui claramente de Maria como Mãe da Igreja, como a proclamou Paulo VI, citando essa passagem de santo Agostinho, ao acabar o concílio Vaticano II. Depois da maternidade divina é a maior glória de Maria. Se no tema da Imaculada o Hiponense se adianta catorze séculos, neste outro tema se adiante quinze.
Santo Agostinho não era misógino; embora pudesse ter sido machista como corresponde a sua época (séculos IV e V). P.- Como se explica a admiração de Agostinho por Mônica, tão belamente descrita nas Confissões, e o fato de que tenha abandonado a mãe de seu filho?
R.- Santo Agostinho de Hipona não abandonou a mãe de seu filho; quem fez isto, impelido pelas leis do Império, foi um pagão chamado Agostinho de Tagaste. Santo Agostinho não era misógino; embora pudesse ter sido machista como corresponde a sua época (séculos IV e V). Escreveu que “o parir filhos é a razão pela qual a mulher foi criada”, mas também escreveu: “Na realidade, no verdadeiro e ótimo matrimônio, apesar do avanço da idade e ainda que se perca mocidade e o ardor, entre o homem e a mulher impera sempre a ordem da caridade e do afeto que vincula de modo entranhável esposo e esposa” (De bono con. 3, 3). Santo Agostinho é “o pai da Europa” (K. Jaspers), e também “o verdadeiro criador da teologia ocidental” (M. Grabmann). Mas isso não quer dizer que tenha dito tudo e, mais ainda, que o tenha dito de um modo perfeito e acabado e da única maneira que pode dizer. É um homem genial, como poucos na história, "o primeiro homem moderno" (Siebeck, Windelband, Harnack), mas também filho de sua época, e como tal, também tem suas sombras e suas limitações.