P.- O que significou para você estar doze anos à frente da Ordem?
R.- Para mim, estes anos significaram um maior conhecimento de todas nossas comunidades- em torno a 200-, um enriquecimento pelo testemunho recebido de muitas vidas exemplares de irmãos com sua santidade de vida e seu desprendimento a serviço do Reino na pastoral ministerial, paroquial e missionária, educação, trabalho vocacional e formação dos candidatos à nossa vida e outros vários ministérios a serviço da Igreja.
Particularmente me sinto satisfeito e especialmente emocionado na convivência com nossos missionários. Sinto que me faltou tempo e tranquilidade para preparar determinados acontecimentos e documentos e participar pessoalmente de alguns eventos e celebrações.
P.- Neste tempo, em que a Ordem mudou?
R.- Todos os acontecimentos importantes na evolução do mundo e da Igreja em particular afetam de alguma maneira a Ordem. Como todos sabem, neste período de transição de um século para outro, de um milênio para outro, as mudanças foram muitas e fortes: desde os catastróficos fenômenos da natureza até os frequentemente confusos políticos, econômicos e sociais; a inversão de muitos valores humanos, familiares e religiosos; a generalizada diminuição de vocações e abandono de outras; a evolução vertiginosa dos meios de comunicação; o processo de descristianização; a situação crítica e oxalá purificadora da Igreja e outros muitos… Esta realidade, junto às deficiências da vida comunitária e dificuldades no atendimento aos projetos pastorais assumidos, levou muitos religiosos e comunidades à diminuição da sensibilidade e de compromisso mais profundos. Junto à preocupação e desejo de uma renovação mais radical pessoal e comunitária se percebe a necessidade de dar prioridade ao essencial de nossa vida: oração, espírito de pobreza e vida fraterna. Igualmente, se sente a necessidade de manifestar com maior clareza nossa identidade agostiniano-recoleta em nossos ministérios para tornar mais crível nossa mensagem, entregando-nos primordialmente aos mais necessitados. Por esta razão, várias províncias envidaram esforços em conseguir um adequado serviço missionário, segundo as necessidades peculiares de cada Igreja local.
Colaboração interprovincial
P.- O que gostaria que houvesse mudado e ainda não mudou totalmente?
R.- Na há dúvida de que todos nós os religiosos procuramos sintonizar e viver este espírito fraterno, mas existe a situação atual de que, mesmo não sendo uma instituição muito grande em número de religiosos, atendemos a muitos e bem variados ministérios. Além do mais, nossas Constituições concedem às províncias atribuições muito importantes nos mais diversos âmbitos. Isto, como se pode comprender, dificulta a unidade no governo da Ordem como um todo; os religiosos se identificam muito mais, como é lógico, com os problemas, necessidades e desafios da província a que pertencem do que com a realidade global da Ordem. Vão sendo dados passos importantes nos capítulos gerais e provinciais, congressos e encontros interprovinciais, cursos de renovação, celebrações jubilares, mas creio que o mais importante é a união e colaboração das províncias na formação de seus candidatos. Este caminho deve prosseguir.
P.-Qual tem sido a contribuição dos Agostinianos Recoletos à sociedade e à Igreja atuais?
R.- Costumamos citar com frequencia o lema agostiniano: “vamos onde a Igreja necessita de nós”. É impossível acudir a todos os lugares onde a Igreja tem suas necessidades e frequentemente recebemos novos pedidos; inclusive, cada vez é mais difícil atender a tantos ministérios devido à queda das vocações e ao envelhecimento de nossas comunidades. Atualmente realizamos as seguintes tarefas apostólicas:
• Apostolado Missionário: 9 centros missionários com 83 missionários no Brasil, Colômbia, China continental, Panamá, Peru, Serra Leoa e Taiwan. Nossa família religiosa tem já uma brilhante trajetória missionária multissecular.
• Apostolado paroquial: 184 paróquias com 420 religiosos, em todos os países nos quais temos comunidades. O nível sócio-econômico é predominantemente médio e médio-baixo.
• Apostolado educativo: 51 centros -incluídas 3 universidades- com 146 religiosos e cerca de 80.000 alunos. Cada vez são mais os centros educativos que recebem reconhecimentos, selos de qualidade e grande apreço por parte dos organismos públicos e das famílias; igualmente está aumentando progressivamente a colaboração entre os religiosos e seculares.
P.- Em que país você encontrou maior vitalidade da Ordem?
R.- Não é muito apropriado fazer comparações; em toda parte os religiosos são muito dedicados ao serviço que se lhes pede. Se esta pergunta se refere à força e entusiasmo dos religiosos por sua juventude e influência do ambiente social, minha resposta é: Filipinas e Colômbia, nesta ordem. Se a referência é em relação ao esforço espiritual por superar as barreiras em defesa da fé e dos direitos humanos: os missionários onde quer que estejam.
P.- Para onde se encaminha a instituição?
R.- O propósito da Ordem é o clamor de Deus, a voz do Espírito Santo, cujo chamado é seguido pelos seus membros, vivendo nosso carisma. Portanto, deve encaminhar-se, em primeiro lugar, a transmitir a outros como experiência do Espírito, para ser vivida, custodiada, aprofundada e desenvolvida constantemente por aqueles que, por ação do mesmo Espírito, são chamados a ser partícipes da inspiração dos fundadores e continuadores de sua missão eclesial.
“É preciso potenciar a vida de oração, o testemunho pessoal e comunitário”. Mudanças
P.- Quais as principais necessidades que você detecta?
R.- É preciso potenciar a vida de oração, o testemunho pessoal e comunitário, a pastoral vocacional e formativa, a generosa dedicação a serviço do Reino e a esperança n’Aquele que tudo pode, tratando de buscar o cumprimento de Sua vontade.
P.- Em que consiste a reestruturação que vem sendo anunciada nos trabalhos preparatórios ao Capítulo Geral?
R.- De alguma maneira, em todos os capítulos, tanto gerais como provinciais, se tem falado deste tema e estão sendo tomadas algumas decisões parciais tendo o olhar voltado para a concretização de uma autêntica reestruturação que, em expressões simples, não é outra coisa senão programar a vida e o ministério da Ordem segundo as coordenadas da vida atual e da Igreja com sentido missionário.
Só Deus sabe como se iluminará e se realizará a reestruturação da Ordem.
P.- Haverá alguma mudança substancial nas Constituições da Ordem?
R.- Não, não haverá mudanças substanciais na próxima revisão das Constituições. O que se espera e se prevê, pelas pertinentes contribuições recebidas dos religiosos ao longo deste sexênio, que será o enriquecimento com citações das escrituras e agostinianas e, especialmente, dos documentos da Igreja sobre a Vida Consagrada surgidos no decorrer destes últimos 30 anos.
Futuro Geral
P.- Que qualidades deve ter o religioso que lhe venha suceder à frente da Ordem durante os próximos seis aos para levar a bom porto as ordenações do Capítulo Geral?
R.- Além das condições lembradas pelas Constituições para exercer suas funções (prudência, ciência, observância religiosa, amor à Ordem e outras virtudes…) me atrevo a citar a paciência e boa saúde e o esforço por conservá-la, pelo ritmo de vida tão variado que exige o exercício de suas responsabilidades. Não se pode esquecer que, no exercício de sua autoridade e para as decisões mais importantes, deve estar permanentemente acompanhado dos seis religiosos que compõem o Conselho Geral, com atribuições específicas nas distintas áreas: espiritualidade, formação e vocações, apostolado ministerial, missionário, educativo, procurador ante a Santa Sé e outras.
“Quase todos os bispos Agostinianos Recoletos trabalham pelo Reino em lugares de missão e socialmente pobres”. Bispos e leigos
P.- Os bispos Agostinianos Recoletos estão fortemente implicados na realidade social de seus respectivos territórios, especialmente na América. Que tipo de apoio recebem por parte da Ordem?
R.- Considero um motivo de satisfação para a Ordem e de confiança por parte da Igreja o fato de alguns de nossos membros sejam chamados para servi-la como sucessores dos apóstolos; na atualidade são 19. Todos eles realizam seu ministério com verdadeiro ardor e espírito missionário, como é tradição consolidada em nossa história e como aprenderam em seus anos de formação religiosa. Quase todos trabalham pelo Reino em lugares de missão e socialmente pobres, onde realizam seu labor pastoral já há vários anos. Alguns continuam vivendo em suas mesmas comunidades agostiniano-recoletas.
Frequentemente e em vários lugares recebem nossa ajuda pessoal no exercício ministerial habitual e em serviços especiais ocasionais. Nos casos mais prementes, recebem ajuda econômica importante através da ONGd agostiniana recoleta Haren Alde, cuja sede central está em Madri.
P.- Qual é, neste momento, o papel dos leigos agostiniano-recoletos?
R.- Nossa legislação insiste em que se trabalhe em todos nossos apostolados na preparação de um maduro laicato cristão, promovendo a formação dos seculares para a catequese e outros serviços de evangelização, já que nenhuma comunidade eclesial goza de vida plena sem a presença ativa dos leigos. De fato, é uma realidade o trabalho conjunto com nossos religiosos nos mais diversos graus de implicação segundo suas possibilidades e carências dos lugares onde vivem. Assim anunciam o evangelho, contribuindo à construção de um mundo mais justo, fazendo presentes o Reino de Deus na Igreja e no mundo de hoje, tão necessitado destes valores.
A fraternidade secular agostiniano-recoleta tem sua regra de vida e seu ritual próprio e está composta por cerca de 4.000 membros, presentes em 15 países.
“A presença de Santo Agostinho em nosso mundo está crescendo a cada dia”. Santo Agostinho
P.- Que valores santo Agostinho deixa aos homens e mulheres de hoje?
R.- Possivelmente soará estranha e até um tanto vulgar para muitos aquela expressão que, em momentos de conversa informal, ouvimos tantas vezes ao longo de nossa vida: “não há sermão sem Agostinho nem panela sem toucinho”. Nos tempos que correm, nem o sermão dominical nem a panela tradicional como referência à arte culinária são elementos de importância; mas é fácil entender que, tradicionalmente, ambos são necessários e práticos para conseguir o fruto desejado. Se a panela tradicional já está ficando para a história nas prateleiras dos museus como elemento decorativo ou simples recordação, o testemunho, os ensinamentos e a espiritualidade de Agostinho de Hipona, um homem africano que viveu entre os séculos IV e V, adquirem vitalidade com o correr da história e têm plena vigência e reconhecimento em nossos dias.
P.- Algum elemento da vida de Santo Agostinho que possa servir-nos de referência?
R.- A presença de Santo Agostinho em nosso mundo está crescendo a cada dia e por muitas razões: por ser o tempo em que ele viveu muito parecido ao nosso, pelo sentido de busca que preencheu toda sua vida, pela linguagem viva e familiar de seus escritos, pelas idéias dinamizadoras que nos transmitiu… e por outra razão que, ainda que não estejamos acostumados com ela, no fundo é a que dá vida e atualidade a todas as demais: a oração. Santo Agostinho sabia orar e orava de verdade. Ele falava de suas coisas a Deus antes que aos homens. Ele se enriquecia de Deus e não dos homens. Toda sua vida, depois de sua conversão, foi praticamente uma oração. Mas, uma oração pessoal, própria só de Agostinho.