Presente

“Esta é minha oração: ‘Que eu seja um bispo ao estilo de Agostinho’

—Dom Mario Molina, o senhor nasceu na Cidade de Panamá, de família panamenha: sente-se cômodo como bispo em Guatemala?
Chegar a ser bispo em Guatemala, apesar de haver nascido em Panamá, foi para mim a exigência para prestar um novo serviço a esta Igreja, fruto dos 19 anos de dedicação e serviço à Igreja em Guatemala antes de minha nomeação. Todos esses anos foram de compromisso e doação do melhor de mim mesmo, para que o Evangelho e Jesus Cristo tivessem vigência e aceitação na Igreja em Guatemala.

—Inicialmente o senhor era professor; chegou a ser decano da universidade: foi fácil essa passagem ao bispado de Quiché? Que dificuldades encontrou? Como se organizou?
Minha preparação imediata para o episcopado em Quiché, uma área rural e pobre, foram os dois anos e meio que servi como pároco, no tempo imediatamente prévio à nomeação, em uma área operária da cidade de Guatemala, constituída em grande parte por gente emigrada do interior do país, inclusive de Quiché.



Confessando na quarta-feira santa, 8 de abril de 2009

Efetivamente, eu estive trabalhando principalmente na docência bíblica e teológica, na administração acadêmica como decano de teologia na Universidade Rafael Landívar, na estreita colaboração com os bispos como secretário adjunto da Conferência Episcopal. Foram trabalhos que me introduziram no mundo acadêmico, social e político de Guatemala.

Passar destes trabalhos à função de pároco constituiu uma crise de identidade. Mas foi minha preparação para chegar a Quiché, pois para mim foi relativamente fácil passar dessa paróquia ao trabalho de bispo em Quiché. O bispo, em um lugar como Quiché, vive de maneira muito simples. Eu tomei como critério de ação pastoral ser acessível a quem bater às portas do bispado. É preciso aprender a escutar, a analisar, a rezar e a aconselhar.

As grandes dificuldades físicas foram os deslocamentos geográficos, muito melhorados em relação com o que teve que passar meu predecessor. As dificuldades humanas mais graves foram os conflitos no seio das comunidades por rixas entre grupos rivais dentro da própria Igreja.

—Qual diria que foi o problema principal que encontrou em Quiché?
Minha experiência de seis anos e meio em Quiché teve como objetivo e propósito fortalecer a identidade católica da Igreja nessa região. Quiché vinha de uma experiência pastoral bem forte no que se refere à revalorização das identidades indígenas dos principais grupos étnicos que habitam o estado: o quiché, o ixil e o queqchí. No entanto essa valorização do indígena se confundiu, com a melhor boa vontade do mundo, com o processo pastoral da inculturação. Na compreensão da Igreja, a inculturação é a meta de toda evangelização, que consiste em lograr que o Evangelho e a pessoa de Jesus iluminem de tal modo a vida, o pensamento e as ações das pessoas, que a cultura desse povo se articule e cresça em torno da proposta de Jesus. Este processo implica com frequência tanto o fortalecimento dos valores culturais coerentes com o evangelho como a correção e supressão daqueles costumes, cosmovisões e práticas religiosas incompatíveis com o Evangelho. O processo social de redefinição e revalorização das identidades maias tem outras dinâmicas e objetivos, e consiste em reafirmar identidades étnicas no contexto da globalização.

Ao mesclarem-se os dois processos, algumas pessoas falavam nesta cojuntura de descobrir o Evangelho no coração da cultura maia, o que levava a reconhecer como Evangelho só alguns elementos culturais mais que a uma cristianização da cultura maia. Ajudar a distinguir estes dois processos, valorizar sua incidência e clarear a missão da Igreja foi um trabalho articulador de meu empenho pastoral. Em seis anos e meio apenas consegui assentar as bases para o desenvolvimento deste projeto pastoral.

—O panorama social e político era e é muito complicado?
Quiché é um território vastíssimo, com uma orografia muito acidentada, e, portanto de difícil comunicação. As paróquias mais distantes da sede episcopal estão a mais de dez horas de viagem de carro, em uma rota que obriga sair do território de Quiché e rodeá-lo passando por outras cinco dioceses antes de chegar ao destino. Quiché tem atualmente uma população de cerca de um milhão de habitantes em uma extensão de 8.300 quilômetros quadrados. Nem todo o território está habitado, pois há algumas regiões de selva.

A pobreza é grande; a falta de oportunidades para o progresso é crônica. Foi um dos cenários em que se desenvolveu a guerra da década de 80 do século passado, causando um enorme sofrimento, incontáveis massacres, deslocamento de população. As condições de vida melhoraram desde aqueles anos, mas continua sendo um estado sem oportunidades.

A migração é a única saída, de modo que o número de quichelenses nos Estados Unidos facilmente equivale a 15% da população que se ficou. O progresso virá com o incentivo à educação, com a melhoria de sua qualidade e com o investimento na criação postos de trabalho; mas a estas cosas aparentemente obvias e simples se opõem forças políticas.

—No âmbito eclesial, como está organizada esta que até agora foi sua diocese?
A Diocese de Quiché conta com 28 paróquias. Quatro delas não têm pároco residente. Há 35 sacerdotes em Quiché, tanto a seculares como religiosos. O número é totalmente insuficiente para atender à população. Dalí que só pouco mais da metade da população se declara católica. O povo tende a criar uma religião n seu critério e gosto pessoal. Proliferam os grupos pentecostais. Há um sentido forte do religioso, mas a formação cristã é muito deficiente.

O bispo sempre foi recebido com alegria, com carinho, com respeito. Meus momentos mais felizes foram os encontros de formação com catequistas e colaboradores leigos nas paróquias, quando visitei suas comunidades. Há um desejo genuíno de saber, de conhecer melhor a Palavra de Deus.



Acolhida e procissao de entrada em San Marcos Rocnimá, Ixcán

—Como é a nova diocese? Como a descreveria?
A Arquidiocese de Los Altos está formada pelos estados de Quetzaltenango e Totonicapán. Os agostinianos recoletos marcam presença nestes estados desde 1958, exceto por um período aproximado de vinte anos de ausência em Quetzaltenango. Quetzaltenango, conhecida também como Xelajú (o “x” tem o sonido do “sh” inglês) é a segunda cidade do país. É centro cultural, industrial, comercial e social. A cidade foi a capital de Los Altos no século XIX, quando brevemente o ocidente de Guatemala se constituiu em estado independente dentro da Federação de Estados Centro-americanos. A população autóctone é quiché em sua maioria, mas na região noroeste há alguns municípios de fala mam.

O estado de Quetzaltenango é pujante e olha a cidade de Guatemala com ares de igualdade. Por outro lado o estado de Totonicapán pode ser facilmente visto como o mais pobre do país. A população de ambos estados deve ser superior ao milhão de habitantes. É atendida por cerca de 60 sacerdotes, a metade dos quais são de seculares e a outra metade de religiosos (há agostinianos recoletos, jesuítas, salesianos, paulinos, franciscanos, missionários da Palavra).

É prematuro descrever a situação eclesial de Los Altos antes de conhecê-la pessoalmente, pois simplesmente repetiria o que os demais dizem, sem que eu tenha feito uma ideia pessoal da mesma. A diversidade no presbitério é grande em muitos aspectos. Isto é sem dúvida uma riqueza, mas é também um desafio para a comunhão.

—Tem-se destacado o fato de que o senhor é, na atualidade, o primeiro agostiniano recoleto que chega a arcebispo. O que pensa disso? Eu não sei ao certo que qualidades pessoais ou que experiência pastoral levaram Santo Padre a pedir-me para assumir o cuidado pastoral desta Arquidiocese. Minha formação bíblica e acadêmica faz de mim um pastor teólogo. Em tempos de necessário esclarecimento doutrinal, de nova evangelização e criatividade pastoral, o conhecimento teológico oferece uma série de recursos para propostas que vão ao encontro das inquietações e buscas do coração humano. Como pastor aprendi a escutar, a procurar entender, mas também a discernir caminho do Evangelho tal como o entende a Igreja católica.

Como arcebispo da segunda cidade mais importante de Guatemala isto me coloca em um posto de notoriedade, mas também de grande responsabilidade para não deixar-me levar pelas honras do cargo, mas para assumir os desafios da missão.

Quando fui nomeado bispo de Quiché em outubro de 2004 estava em Roma. Em novembro daquele ano os restos de santo Agostinho foram trazidos de Pavía para Roma, de modo que pude venerá-los. Minha oração ante esses restos foi ser um bispo a seu estilo: humano e misericordioso com todos, claro e firme na verdade do evangelho, empenhado na unidade da Igreja, compassivo com os pecadores e decidido na busca e no empenho de agradar só a Deus.

Meu lema episcopal é uma frase da primeira carta aos Coríntios (14, 4): Ut ecclesia aedficationem accipiat (“Que se edifique a Igreja”). A Igreja é a mãe que nos gera para vida e para a esperança, que nos move a viver em fraternidade, que nos fortalece no caminho da santidade.

Eu não sei que complicações vou encontrar nem que desafios vou a ter que enfrentar. Mas me consola um pensamento: a Igreja não é obra humana, mas de Deus. O Senhor tem que velar por ela. Nós, seus servos, fazemos o que podemos; mas é o Senhor que dá o crescimento. A ele me confio.

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