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José Sergio Sánchez: “Não é tempo de expansão, mas de interiorização e recolhimento”

Revitalizar

—O que você destacaria do 126º Capítulo provincial que sua Província acaba de celebrar?

Há um aspecto que me parece o mais significativo, e nós o intitulamos: “reestruturar para revitalizar”.  A decisão de fechar algumas comunidades foi um golpe para todos nós; ainda não tivemos tempo de assimilá-la. A reação também é distinta, depende dos vínculos que se tem com tais ministérios. Trata-se de uma reestruturação externa para abrir-nos a novas possibilidades de vida. Para alguns religiosos houve uma mudança no papel que exerciam no ministério e mesmo na comunidade religiosa. Isto leva a todos nós a dirigir nosso olhar para o essencial de nossa vida consagrada, para o que devemos ser, antes do que para as estruturas.

—O objetivo prioritário de seu último Capítulo Provincial reza: “Reestruturar a Província para revitalizar nossa consagração e missão”. Como pretendem fazê-lo?

Consagração e missão são as duas faces da identidade de um religioso; a primeira se refere ao ser e a segunda à expressão do ser. A revitalização passa pela formação permanente.

Não importa a idade que tenhamos; o Senhor nos segue chamando cada dia e sustém nossa resposta para tê-lo como fundamento de nossa existência e como único amor de nosso coração.

A missão é questão de amor, do amor recebido e partilhado. Normalmente é traduzido em ações que têm a ver com Deus (celebração de sacramentos, catequeses, evangelização, etc.); a vitalidade da missão depende da “paixão” com a qual essas ações se realizam; esta força vem do Espírito e é a expressão da identidade vocacional, de uma convicção: “o Senhor me quer agostiniano recoleto”.

—A media de idade dos religiosos da província é de 58,71 anos. Como estão enfrentando esta situação?

Com realismo. Eu me pergunto: que toca aos religiosos viver nesta etapa da vida? E recordo o que diz Vita Consecrata: “Há uma juventude do espírito que permanece independentemente do tempo: está relacionada com o fato de o indivíduo procurar e encontrar, em cada fase da vida, uma tarefa diversa a cumprir, um modo específico de ser, de servir e de amar” (nº 70). É necessário reavivar esta juventude de espírito. Só Deus renova as pessoas.

A metade dos religiosos está acima dos 65 anos. Idade de aposentadoria ocupacional. Começa a redução, aparecem as fendas, mas também é a idade da sabedoria de vida e a maturidade espiritual. Penso que não são idades para a expansão, mas para a interioridade e recolhimento. Não esqueçamos que somos recoletos.

—No processo de renovação que a Ordem está vivendo, que influência você acredita que tem o Papa Francisco? O que você destacaria de seu pontificado?

Comento o que me tocou pessoalmente. É o papa dos gestos, dos pequenos gestos capazes de por em crise uma estrutura centenária, cheia de fantasmas mudos do “sempre se fez assim”, gestos provocativos que nos levam a ver mais além de nós mesmos e a pensar e projetar a partir dos outros e das “fronteiras”.

Por outro lado, destaco duas palavras que me acompanham neste momento: alegria e esperança; viver a alegria da vocação, a alegria do encontro com Jesus, e a insistência de não perdermos a esperança.

Igrejas na América e na Europa

—Você conhece as comunidades e ministérios do México e Costa Rica, e durante os últimos seis anos prestou um serviço de governo residindo em Madri. Que diferenças você apontaria entre a Igreja na América e na Europa?

Destaco alguns pontos. O povo de Deus é uma escola de vida, em todos seus sentidos; os leigos nos interpelam de muitas maneiras para que caminhemos com eles e sintamos com eles. Tenho a impressão de que na América o contato com as pessoas é maior do que na Espanha, porque são comunidades pequenas dedicadas em sua maioria ao apostolado paroquial e missionário. Na Espanha predominam as comunidades com ritmo de vida conventual, algumas delas com pouca relação com o seu entorno.

O segundo ponto significativo é o grau de formação cristã. Na América encontramos, em geral, gente com escassa formação na fé; com uma vida cristã baseada na religiosidade popular e na participação nos sacramentos, e nada mais; ao mesmo tempo, desejosa de formação, ao menos mais receptiva. Esta é uma oportunidade valiosa de formação; sabemos todos que os religiosos nos formamos quando damos razão de nossa fé de modo sistemático e constante. Na Europa as pessoas estão melhor formadas, suponho que todos tiveram em sua infância e adolescência uma formação cristã bem cuidada na família, na catequese e no colégio. Dependem menos de doutrinação.

Finalmente, o processo de secularização incidiu antes na Europa, mas América não está livre desta realidade; é questão de tempo. A liderança e o prestigio dos religiosos são mais significativos e influentes na América; alguns religiosos aplicaram seus recursos humanos e pastorais graças a este protagonismo. Na Europa somos interpelados a caminhar com o povo em uma sociedade que se organiza a margem da religião, o que nos obriga a “pular miudinho” no âmbito espiritual e pastoral.

Planos

—Que planos você tem para revitalizar a vida espiritual, a vida fraterna e o espírito evangelizador das comunidades religiosas?

Nunca começamos do zero; cada pessoa vive seu processo de conversão contínua. Estou convencido de que será preciso tocar e remover a vida das pessoas. A revitalização é obra do Senhor e a chave abre por dentro; o Senhor transforma nossos corações se o pedimos com fé e humildade, em oração confiante.

Não obstante, creio que podemos predispor os frades; o serviço prestado pelos secretariados e a animação dos priores locais é muito importante. Com os secretariados pretendemos continuar com a formação permanente de todos e cada um dos religiosos, oferecendo-lhes tempo, estratégias, meios e atividades extraordinárias para sua formação pessoal. A vivência dos meios ordinários, os que vivem o espírito comunitário no dia a dia, é tarefa do prior. Por exemplo: percebo insatisfação em alguns frades pela forma como celebramos a liturgia das horas; outros sentimos falta de poder compartilhar as interpelações da palavra escutada e de nossas pequenas buscas e encontros; alguns pedem fidelidade na oração pessoal.

Por outro lado, conhecemos os méritos da vida fraterna e seus efeitos terapêuticos, mas sofremos suas reuniões e as correções fraternas. Neste campo os secretariados podem oferecer formação.

Finalmente, creio nas experiências missionárias. Ninguém regressa o mesmo quando se topa com realidades onde a vida está condicionada pela pobreza, pela falta de educação e pelo abuso em todas as suas manifestações. Os pobres e as situações de pobreza e exclusão nos revitalizam, se o permitimos.

—Você tem acompanhado vocacionalmente a muitos jovens. Que proposta formativa oferece a um jovem que quer ser agostiniano recoleto?

A princípio dava mais importância ao agostiniano recoleto: tentava levá-lo a conhecer a vida de santo Agostinho e dos recoletos. Agora me parece essencial o encontro pessoal com Cristo, nosso Senhor. Com sua incoerência, os religiosos podem defraudar uma vocação; mas se um jovem sente o amor gratuito e incondicional de Jesus que o chama, esse jovem não tem escapatória, pois foi conquistado pelo Senhor.

A pedagogia de Jesus “venham e vejam” é para todo tempo e lugar. Também vale para os que querem ser agostinianos recoletos. Para isso é necessário abrir nossas casas, para que conheçam e partilhem nossa vida.

—Quais seus planos para evangelizar e solidarizar-se com os mais pobres?

Em primeiro lugar, que os frades se deixem evangelizar. Em minha experiência pessoal, considero que passamos muitos anos pretendendo ser mestres e descuidando a experiência de ser discípulos. Não nego que há boa vontade e sacrifício no serviço pastoral, mas nem sempre nos deixamos interpelar pelo mesmo evangelho nem pelos fieis. A solidariedade com os pobres é o fruto de um caminho de maturidade cristã. A pobreza é uma opção em resposta ao que se recebeu.

—Que importância tem as JAR, as fraternidades seculares e a formação dos leigos nos ministérios que você conhece?

Neste momento há um despertar das JAR em algumas regiões da província, fruto do esforço realizado a partir da orientação do secretariado geral correspondente. A pastoral juvenil é ingrata e desanima; os jovens requerem muita atenção e é preciso levar em conta sua inconstância.

Estive mais tempo com as fraternidades seculares. Embora se possa dizer muitas coisas, só quero destacar algumas: é uma vocação especial que exige saber suscitar, discernir e acompanhar. É uma vocação para poucos, tenho minhas dúvidas quando ingressam em grupo. Por outro lado, sei que são um com para a Ordem porque enriquecem nosso carisma. E, finalmente, sua presença em um ministério é sinal da fecundidade e da vitalidade do mesmo. Neste momento necessitamos fortalecer seu sentido de pertença familiar, sua formação e autonomia.

É o momento dos leigos, sempre o foi. Temos uma dívida com eles, já que temos nos servido de muitos deles e agora temos que devolver a eles em formação, em espaços de liderança e serviço.

“Vimos o Senhor”

—Qual é seu sonho sobre a Ordem? É possível?

Como instituição, sonho com uma Ordem onde se aproveitem melhor os recursos humanos, as estruturas e os materiais para a formação e a missão evangelizadora; precisamos nos fortalecer enquanto Ordem, mais que enquanto Província.

Pessoalmente continuo impressionado pela frase das primeiras testemunhas da Ressurreição: “Vimos o Senhor”. Quantas coisas seriam diferentes se vivêssemos nesta certeza e a partilhássemos como testemunho!

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