Uma palavra amiga

A solidão como ‘conquista’

A solidão está presente na nossa sociedade. É o denominador comum de muitas circunstâncias. O agostiniano recoleto Antonio Carrón reflete sobre o assunto desde o ponto de vista da filósofa María Zambrano.

Fenômenos atuais como o vício à tecnologia, a desintegração familiar, a situação de abandono de muitos idosos, crianças… devem nos fazer pensar. Em todas estas circunstâncias, poderíamos encontrar um denominador comum: a solidão.

Em termos sociais gerais, solidão significa estar sozinho sem o acompanhamento de uma pessoa ou de outro ser vivo. A solidão pode ter a sua origem em diferentes causas, tais como a escolha do indivíduo, o isolamento imposto por um determinado sector da sociedade, uma doença contagiosa ou hábitos socialmente distraídos. De acordo com isto, poderia ter conotações negativas ou positivas, dependendo se é uma solidão procurada ou uma solidão forçada.

Maria Zambrano, uma das filósofos espanholas mais representativas do século XX, disse na sua obra “O homem e o divino” que “na vida humana não se está sozinho, mas nos instantes em que se faz a solidão, se cria”. A solidão é uma conquista metafísica, porque ninguém está sozinho, mas deve vir a fazer solidão dentro de si mesmo, nos momentos em que é necessária para o nosso crescimento”. Segundo isto, a solidão não é a ausência física de alguém, mas é uma atitude que o ser humano deve cultivar a partir de dentro como um objetivo a alcançar, essencial para alcançar a maturidade. É, portanto, uma releitura desse sentido negativo da solidão, encontrando nela uma perspectiva otimista, positiva e necessária para o crescimento humano.

Ora, como assinala Zambrano, a solidão não é um estado em que o ser humano deva permanecer, pois “a solidão é um estado passageiro que não se torna uma “morada” segundo a linguagem dos místicos”. E ele alude, neste sentido, à experiência de Descartes de “dúvida metódica” quando, para chegar à descoberta da primeira realidade, como método, decide sistematicamente duvidar de tudo (dos sentidos, de sua própria imaginação, etc.), mas não permanecer em dúvida, mas como meio para chegar a essa primeira verdade que tanto anseia.

María Zambrano destaca como Santo Agostinho entendeu este sentido positivo de solidão a partir da grande descoberta da interioridade. O autor assinala que a interioridade não se refere ao lugar interior, à consciência, à psique, que é como foi entendida ao longo da história do pensamento, mas que a interioridade é condição essencial para “perceber” o próximo de dentro de nós mesmos e sentir a vida do outro. A vida do semelhante só pode ser “conhecida” de um plano mais interior.

Portanto, a interioridade, para Maria Zambrano, é um “médium” que torna possível a “percepção” da pessoa na sua integridade, na sua unidade ou totalidade, como próximo. Deste modo, a interioridade tem sentido na vida humana porque liga a nossa existência à vida dos outros. Não se trata, portanto, de nos separarmos da realidade, mas de aprendermos a descobrir-nos a partir do conhecimento que emerge de dentro, imbuído nele.

E tudo isso é possível nesse quadro necessário de solidão, uma solidão bem compreendida, uma solidão necessária que vai além do físico, uma solidão que nos abre ao autoconhecimento, ao conhecimento do outro (nossos semelhantes) e do Outro (Deus). Uma solidão que pode muito bem ser considerada como uma conquista que dá sentido à vida.

Antonio Carrón de la Torre OAR

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