Nós lhes dizemos | Prior general

Mensagem do Prior Geral para a festa de Santo Agostinho 2023

Santo Agostinho e as pequenas coisas

Que o Deus da esperança encha nossos corações de alegria e paz.

Prezados irmãos:

Em toda a Ordem estamos nos preparando, de uma forma ou de outra, para celebrar as grandes festas de Santa Mônica, de Nosso Pai Santo Agostinho e de Nossa Senhora da Consolação, e também em algumas partes da geografia recoleta estamos nos preparando para iniciar um novo curso; um curso que terá como lema uma das frases do sermão 69 de Nosso Pai Santo Agostinho: “Aspirais a grandes coisas? Comece com as menores coisas.

Eu me perguntava se um homem importante como Agostinho, em sua época, teria tempo para cuidar das pequenas coisas e dos assuntos menores. Um homem que estava atento para defender a sã doutrina e combater as heresias, especialmente o donatismo e o pelagianismo; que disponibilizou seus escritos para os Concílios, dos quais não participou por causa de suas múltiplas ocupações pastorais; que escreveu tanto e sobre coisas tão importantes e com tanta profundidade, que precisaríamos de duas vidas para ler sua imensa produção literária; que acompanhou espiritualmente muitos fiéis e que foi companheiro espiritual de muitos fiéis; que acompanhou espiritualmente muitos fiéis, tanto pessoalmente quanto por meio de suas cartas; que resolvia diariamente, como juiz, muitas questões que surgiam na Igreja de Hipona; que dava sua opinião, viajava e se envolvia nos assuntos de outras igrejas na África; que estava atento à direção que os mosteiros que fundou e aqueles inspirados por seu modo de vida estavam tomando; que preparava seus sermões exaustivamente. Será que um dos poucos sábios e santos que escreveu um tratado sobre o sublime e insondável Mistério da Santíssima Trindade poderia se preocupar com as pequenas coisas da vida cotidiana? Acho que a resposta é clara para todos nós, porque todos nós já lemos e ouvimos a Regra de Nosso Pai inúmeras vezes, e é impressionante ver como a Regra da Santíssima Trindade de Agostinho Agostinho é tão clara para nós. É impressionante perceber como Agostinho desce aos menores e mais minuciosos detalhes, às menores coisas, que talvez nós não levaríamos em conta, mas que para ele não passavam despercebidas porque as julgava importantes: a comida, o porte exterior, a lavagem das roupas, a leitura no refeitório, a alimentação dos doentes, o tratamento das mulheres, os olhares, as discussões e murmurações, o banho do corpo, a maneira de pedir livros, os calçados e as roupas etc.

Não é difícil entender por que um homem como Agostinho, ocupado com assuntos e tarefas tão importantes, notava e tinha tempo para prestar atenção a essas pequenas coisas também. Quanto mais próximos estivermos de Deus, mais atenção daremos aos pequenos detalhes, pois é quase sempre neles que Deus se revela a nós.

Em seus sermões e escritos pastorais, Santo Agostinho enfatiza a necessidade de cultivar virtudes como paciência, compaixão e humildade, que podemos considerar como virtudes domésticas e que nos ajudam a manter a harmonia e o amor tanto na vida familiar quanto na comunidade. Essas virtudes são fundamentais para a construção de relacionamentos saudáveis e duradouros, para a superação de desafios e conflitos que possam surgir na esfera doméstica e também nos ajudam a perseverar em nossa jornada espiritual.

Como dissemos na circular de 24 de março de 2023, Deus é paciente o suficiente para suportar séculos de dias pequenos. Seu Reino, que um dia cobrirá a Terra, não começa grande. Ele cresce a partir de um homem velho e sua esposa estéril (Is 51:2). Cresce a partir do menor de todos os povos (Dt 7,7). Cresce a partir de um grão de mostarda e um pouco de fermento (Mt 13,31-33). Cresce a partir de um embrião no ventre de uma virgem (Is 9,6-7). Cresce a partir de doze homens analfabetos (Atos 1,8). Deus usa pequenas coisas para fazer grandes coisas.

Jesus, a face humana do Pai, reuniu todos os seus discípulos que estavam vagando pelo templo para mostrar-lhes o testemunho da viúva pobre que acabara de colocar no cofre todas as moedinhas de que precisava para sobreviver (cf. Mc 12,41-44). Ele compara o Reino com o grão de mostarda, o menor de todos (cf. Mt 13,31), que se torna uma árvore na qual os pássaros vêm fazer seus ninhos; e nos diz para nos tornarmos como crianças – pequeninos – se quisermos entrar no Reino dos céus (cf. Mt 18,3-4).

O Evangelho de Jesus contrasta com a nossa sociedade, que busca prestígio, fama, atenção, reconhecimento, brilho, riquezas… Até mesmo a nossa vida consagrada é afetada e infectada pelos desejos do mundo e, muitas vezes, podemos nos sentir sobrecarregados pelos desafios e metas que estabelecemos para nós mesmos e que queremos alcançar. O Santo Padre nos adverte sobre o perigo do “carreirismo” na vida religiosa e sacerdotal. Francisco diz que o carreirismo é uma praga para os sacerdotes e uma das formas mais horríveis de mundanismo (Audiência com os arcebispos espanhóis, por ocasião do 125º aniversário da criação do Pontifício Colégio Espanhol de São José, em Roma. 1º de abril de 2017). Não viemos para a vida consagrada ou para a Ordem para subir na escada ou fazer carreira, viemos para viver em santidade de vida em comunidade e para levar Deus aos nossos irmãos. Não é errado ter grandes sonhos e aspirações na vida, mas sem esquecer que os sonhos são muitas vezes forjados e são feitos de pequenos gestos e detalhes, mesmo aqueles aos quais não damos a menor importância. De fato, o Papa Francisco mais de uma vez nos lembrou que há três palavras que definem as pessoas: permissão, agradecimento e perdão (Papa Francisco para casais em Cracóvia, em 29 de julho de 2016). De fato, é nessas pequenas coisas que apostamos nosso ser ou não ser para Deus, porque as pequenas coisas feitas com amor têm um sabor de eternidade (Santa Teresa do Menino Jesus). E porque a santidade não depende simplesmente da grandeza de nossas ações, mas da intensidade do amor que acompanha essas ações. Nas palavras de Agostinho: coloque amor nas coisas que você faz e elas terão significado; tire o amor delas e elas se tornarão vazias (Sermão 138, 2). O segredo da santidade é fazer as coisas comuns da vida cotidiana com amor extraordinário todos os dias. Essa é a chave!

Quando fazemos as coisas com amor, com dedicação e devoção, por menores que pareçam, elas assumem uma dimensão eterna. Um simples gesto de bondade para uma pessoa necessitada, uma palavra de incentivo para alguém que está sofrendo, um ato de serviço para aqueles que estão ao nosso redor, um copo de água para alguém que está com sede – todos esses atos aparentemente insignificantes podem ter um impacto significativo na vida das pessoas e em nossas próprias almas. Não nos esqueçamos do provérbio atribuído ao escritor Eduardo Galeano que diz: muitas pessoas pequenas, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, podem mudar o mundo.

Não esperemos a vida inteira por grandes eventos ou oportunidades que talvez nunca cheguem. Pelo contrário, não percamos nosso tempo construindo castelos no ar, construamos nas pequenas coisas de cada dia, porque as catedrais são construídas pedra por pedra e os corações mais bonitos são feitos de pequenas histórias construídas com pequenos detalhes.

Portanto, irmãos, não subestimem o poder das pequenas coisas quando as fazem com amor e não se esqueçam de que todos os dias temos a oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém, seja com uma palavra gentil, um gesto de ajuda ou um sorriso sincero. Por mais insignificante que possa parecer, todo ato de amor tem um impacto que transcende o tempo e o espaço.

Em um mundo cheio de pressa e superficialidade, sejamos aqueles que fazem a diferença por meio das pequenas coisas. Que nosso amor se expanda e alcance todos os que nos cercam, iluminando o caminho e trazendo um sabor de eternidade a cada encontro.

Que nossa Mãe e Rainha da Consolação, que esteve atenta às necessidades de sua prima Isabel, dos noivos de Caná e dos discípulos de seu Filho, nos ensine e nos ajude a viver atentos às necessidades daqueles que mais precisam de nós.

Feliz festa agostiniana.

Que o Senhor nos abençoe com sua paz.

Madri, 22 de agosto de 2023

Festa de Santa Maria Rainha

Frei Miguel Ángel Hernández OAR
Prior Geral

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