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Eu os envio como cordeiros em meio a lobos | Evangelho Domingo XIV

Luciano Audisio, O.A.R., nos oferece este comentário sobre o Evangelho deste domingo, centrado no envio missionário dos discípulos. Em uma linguagem poética e profunda, ele nos convida a redescobrir a evangelização não como conquista, mas como comunhão, baseada na vulnerabilidade, na ternura e na certeza de que Deus já está agindo no coração das pessoas.

Missão: o coração vivo da Igreja

O Evangelho de hoje nos coloca no centro da missão da Igreja. Jesus, diz o texto, “o Senhor designou outros setenta e dois” (ἀνέδειξεν ὁ κύριος ἑτέρους ἑβδομήκοντα [δύο]) e os enviou dois a dois para proclamar seu Reino. Essa cena, que pode parecer uma simples anedota organizacional, é, na verdade, um retrato profundamente teológico do que significa ser Igreja. Ela nos desafia sobre nossa identidade mais essencial: o que significa ser um apóstolo? O que significa dizer que a Igreja é apostólica?

72 enviados: uma Igreja em movimento

O número 72 não é uma coincidência: é 12 multiplicado por 6. Doze evoca os apóstolos e, portanto, as doze tribos de Israel, o povo escolhido. Seis, no simbolismo hebraico, é o dia da criação do homem, mas também representa o inacabado, o que está em processo. Pois sete é o número da completude. Esse número – 72 – fala de uma Igreja a caminho, inacabada, enviada para completar uma história que ainda não chegou ao fim. Jesus nos mostra que o envio não é o fim, mas o início de algo que o Pai já começou nos corações.

Dois em dois: evangelização como comunhão

O texto continua com esta expressão: “enviou-os de dois em dois à sua frente” (ἀπέστειλεν αὐτοὺς ἀνὰ δύο πρὸ προσώπου αὐτοῦ). O Senhor não envia os seus sozinhos, porque a evangelização não se trata de espalhar uma ideia, mas de testemunhar um relacionamento. Duas pessoas que caminham juntas, que ouvem uma à outra, que se corrigem uma à outra, que se perdoam uma à outra, são a primeira proclamação do Evangelho. Mais do que palavras, é a maneira como amamos uns aos outros que revela Cristo.

Preparando-se para a vinda do Senhor com gestos

“Enviou-os a todas as cidades e lugares aonde ele devia ir” (εἰς πᾶσαν πόλιν καὶ τόπον οὗ ἤμελλλεν αὐτὸς ἔρχεσθαι). Este é o tempo em que vivemos: o tempo de nos prepararmos para a sua vinda. Jesus está vindo, e nossa missão é preparar seu caminho. Não com discursos, mas com gestos concretos de comunhão, com a emoção no coração de quem sabe que o amado está prestes a chegar. Como uma mãe que prepara a casa para seu filho, como uma família que prepara a mesa para um banquete: porque amamos, porque esperamos, então nos preparamos.

“Não acene para ninguém na estrada”: sem evasivas

Mas o Senhor também nos dá uma forte advertência: “não saudeis a ninguém no caminho” (μηδένα κατὰ τὴν ὁδὸν ἀσπάσησθε). Não se trata de uma ordem de grosseria, mas de um apelo para que você não se disperse. Com que frequência, diante de decisões importantes, nos atrasamos com desculpas, nos distraímos, procuramos “cumprimentos” -distrações – que na verdade são fugas. Essa frase é um exame de consciência: quais são as nossas saudações que nos desviam do caminho? Que evasivas usamos para evitar responder ao que Deus está nos pedindo hoje?

Evangelização: despertar o que já existe

E continua dizendo: “a colheita é abundante” (ὁ μὲν θερισμὸς πολύς). Não é nossa tarefa mudar o mundo inteiro, mas colher o que o Pai já semeou. Evangelizar não é implantar algo novo nos outros, mas ajudá-los a descobrir o que já existe neles. A Palavra que proclamamos é uma luz que permite que cada pessoa reconheça que Deus sempre esteve dentro dela.

Hoje vemos duas grandes tentações na maneira como entendemos a evangelização. Uma delas é aquela que impõe com dureza, como se o mundo estivesse arruinado e devêssemos salvá-lo gritando com ele. A outra é a do silêncio cômodo, que, por um respeito mal compreendido, decide não anunciar nada, como se falar de Jesus fosse uma forma de violência. Ambos são falsos. Não salvamos o mundo – Cristo já fez isso – mas somos enviados para trazer essa luz que desperta o que já existe. Evangelizar não é levar Deus aos outros, mas ajudá-los a reconhecer que Ele já está lá.

Cordeiros entre lobos: o poder da ternura

E o Senhor nos diz ainda mais: “Eis que estou enviando vocês como cordeiros para o meio de lobos” (ἰδοὺ ἀποστέλλλω ὑμᾶς ὡς ἀρνὰς ἐν μέσῳ λύκων). Ser cordeiros entre lobos significa ser vulnerável, exposto, desarmado. O apóstolo é o mais frágil, pois, ao anunciar sua fé, ele expõe sua intimidade mais profunda. E nós temos medo, é claro. Basta uma risada zombeteira, um comentário irônico, e sentimos que fomos feridos. Mas essa vulnerabilidade também é o lugar da promessa: embora sejamos cordeiros, o Senhor está conosco e não nos deixará sozinhos.

Evangelizar a partir da necessidade, não do poder

Por fim, o Evangelho nos apresenta a pobreza do apóstolo. Aquele que é enviado não traz dinheiro, nem poder, nem recursos, mas a força humilde de quem sabe mendigar. E isso também é verdade para a Igreja: não evangelizamos por abundância, mas por necessidade. Quando imploramos por pão, por boas-vindas, por um ouvido atento, entramos verdadeiramente em comunhão. Aquele que dá do alto pode se impor; aquele que implora, por outro lado, coloca-se no nível do outro. Saber implorar – implorar por amor, tempo, escuta – é a verdadeira porta de entrada para a evangelização.

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